A VOZ ECOA
- Gielton
- 3 de fev. de 2021
- 3 min de leitura
Gielton

Sextou! Opa, dia de... Voltar à Serra do Cipó. Estar de novo com nosso filho e família. Reencontrar o neto!
O asfalto estava límpido. Ando mais calmo ao volante. Seria a idade? Nem tão velho me sinto! Menos verde, talvez.
Abeiramos sua casa. Nada de tão triunfal. Abraçamos e beijamos. Afinal, um reencontro de poucas semanas de saudades. Nem tantas assim! Seu sorriso tímido revelava a esperança de ter sido ouvido.
O drama desenrolou-se duas sextas atrás. Um fim de semana tão intenso, tão cheio de bons quereres, tão íntimo que, com toda razão, tanto ele, quanto nós, cederíamos facilmente ao desejo de prolongar.
O choro antes de nossa partida foi tão verdadeiro e doído que estraçalhou nossos corações. Uma dor visceral, sentida como uma punhalada no estômago, transformou a alegria do encontro em consternação profunda.
Ajeitávamos nossas mochilas, quando ele, José, o neto amado, adentrou o quarto e viu, diante daquela cena, sua ficha cair.
— Quero ir para a casa do vovô e da vovó.
— José, hoje não vai dar.
A força do "não" torceu profundamente suas entranhas. Reuniu os lábios para baixo, curvou levemente os ombros e escondeu-se na cozinha. Pouco depois, entre balbucios, as lágrimas escorreram como em um dilúvio. Um soluço emanou de suas profundezas. Embargado pelo sentimento, quase não conseguiu pedir
— Quero ir para a casa do vovô e da vovó.
Paramos tudo. Ajoelhamos até sua estatura e o acolhemos com os braços. Inconformado aceitou o abraço e de novo implorou.
— Vovô, deixa eu ir para a sua casa?
Desvencilhou-se. Foi até a varanda, sem norte, em busca de algum consentimento. Em desespero mendigou.
— Mamãe, deixa eu ir para a casa do vovô e da vovó? Por favor...
Acompanhamos seu movimento. De corações prensados entre sua dor e a dura realidade, tentamos mais uma vez. Com lágrimas escorrendo pela bochecha afora, estreitamos os espaços com doçura.
— José, dessa vez não podemos levá-lo. Vovô e vovó têm trabalho essa semana...
O silenciar parecia indicar entendimento. Retornamos às bagagens. Veio ele e solicitou a avó alcançar sua mochilinha verde com bordados de papagaio dependurada no alto da parede. Com dificuldade puxou o fecho ecler. Abriu a gaveta da cômoda e retirou roupas aleatórias. Gosta muito de fazer tudo sozinho mas, dessa vez, em prantos, pediu ajuda.
— Vovó, me ajuda a colocar as roupas na mochila!
Nossos corações arcariam tamanho o peso da dor, no entanto, suportaram. Nem sei como! Talvez o sussurro da sensatez tenha falado mais alto.
José continuou chorando, recalcitrante. A convicção exalava do alto de seus dois anos e meio. A mochilinha tombando às costas, confirmava. Espantados com tamanha força permanecemos enturvados e atarantados.
A porta do desfecho foi o celular. Consentiu o filminho do Leo que adora. Deitou-se na cama dos pais. Com os olhos fixos na tela disfarçou e nem se despediu.
Sua voz ecoou zumbindo e conectando seu desejo às nossas possibilidades. Padecemos ligados a ele todo esse tempo. A lembrança daquele adeus permaneceu arranhando nossos peitos. Hoje, sexta-feira, duas semanas depois, viemos buscá-lo.
Dessa vez entrou fácil, fluído! Não titubeou um instante sequer.
— Vai mesmo para a casa do vovô e da vovó sem papai e mamãe?
— Sim.
— Tem certeza?
Insistiu a mãe.
Ao avistar sua mochila, a mesma dos papagaios, no porta-malas junto com sua bicicleta e alguns brinquedos, sentou-se na cadeirinha no banco de trás e, aliviado, dormiu toda a viagem.
Assim, a vida. Que ouçamos as vozes que ecoam.
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