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TANGORÉ

  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton
  • 2 de set. de 2020
  • 3 min de leitura

Gielton



Conhecia Tangoré desde criança. Seus pais prolongavam fins de semana na casa de amigos. Enquanto os adultos bebericavam e cantavam, brincava nos murundus do terreno árido, descia trilhas, subia fantasias, voava como super-heróis... A cachoeira no interior do condomínio era o prato cheio dos prazeres. Não aturava tanto tempo a frieza das águas, mas nadava como louco do poço até a queda. Pequenos degraus sobre as corredeiras convertiam-se em ricos desafios. Depois batia queixo e tremia feito vara verde. Quase sempre tinha uma canga pronta para agasalha-lo.


O mês era janeiro. Dias antes, Papai Noel havia deixado sua tão almejada barraca ao pé da árvore. Aspirava acampar. Onde? As buscas no pensamento trouxeram, como um filme, jazidas preciosas em forma de imagens de Tangoré! Aquele lugar lhe apetecia. Decidiu. Olhou para o mais novo presente e colheu seu consentimento. Na manhã seguinte partiram.


Seus vastos 15 anos já lhe davam uma modesta experiência com as lotações. Trafegava com algum desembaraço no centro da cidade. Sabia que da Praça Oito à rodoviária era um pulinho. Entrou. Aquele mundaréu de guichês e transeuntes com malas e sacolas o deixaram estagnado. Parecia uma estátua atônita de mochila às costas na porta da rodoviária. Num relance leu: Informações.


- Por favor, onde compro passagem para Rio Abaixo?


O atendente solícito, mas agitado explicou e apontou.


- Quero uma passagem para Rio Abaixo.


- O próximo ônibus sai às onze horas.


- Tudo bem. Quanto custa?


Sacou a carteira, entregou as notas ao funcionário e recebeu o troco. Havia um bom tempo de espera. Conseguiu uma vaga na única cadeira próxima à plataforma. Ficou a observar o movimento. Um “trança trança” de gente de um lado para outro e vice versa.


A cabeça recostada no vidro trepidava enquanto as rodas giravam sobre o asfalto fosco. Viaja em sensações. Quanto mais longe de casa, mais alheados eram os pensamentos. Havia em si certo tormento nessa aventura e um pouco de medo, mas uma certeza meio duvidosa de que tudo daria certo.


- Por favor, pode me indicar o caminho para Tangoré?


- Tem certeza? Daqui lá são vinte quilômetros de estrada de chão. Chegará na madrugada.


Foi sua primeira surpresa. Não sabia que era tão retirado. Disfarçou.


- Eu sei. Vou a pé mesmo.


Ainda perplexo seguiu confiante. O cascalho grosso da estrada deixava o piso escorregadio. Pequenos pedregulhos entravam entre as solas da sandália e do pé causando um leve desconforto. Depois do primeiro carro que passou, pensou: posso pedir carona, que bobagem é essa! Dito e feito. O jovem casal de namorados naquele Gol de duas portas foi bastante simpático, mas ainda faltava um pouco de chão quando se despediram.


A tarde tombava quando chegou. Veio a segunda surpresa. Na entrada do condomínio havia uma guarita. O quê? Pensou. Não sabia que precisava de credenciais para entrar.


- Boa tarde. O que deseja? - perguntou o vigia.


- Hã? É, eu...


- Você tem convite?


- Não... Precisa disso?


- Claro! Aqui só entram os proprietários e convidados.


Em um ataque de esperteza, disse:


- Vou na casa da Amélia e Gilvan!


- Sei... Só que eles não estão. Costumam vir somente no fim de semana.


O jeito foi entrar em tom de súplica.


- Por favor, moço. Vou acampar na casa deles.


- Impossível! Você é filho de quem?


- Sou filho da Norma. Então, tem jeito de ligar para a Amélia e dizer que é o Pedro, filho da Norma?


- Liga você, uai?


Com as mãos em gesto de oração suplicou.


- Eu não tenho celular... Me ajuda aí, vai! Por favor!


Outros carros ingressavam. O Sol descia o morro. A noite escurecia. Dona Lua ficou para mais tarde...


- Aqui, consegui falar com ela. Pode entrar.


- Obrigado, moço. Muito obrigado!


A felicidade não cabia na barraca. A noite, uma criança. O chão duro, uma pluma. A manta, aconchego. O sonho, realizado!


Assim, a vida. Clama confiança.


<imagem do post em https://pin.it/1aznoOy>

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Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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