top of page
  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton

Atualizado: 25 de ago. de 2022

Gielton





Vastidão, talvez seja uma boa palavra para traduzir o mar. É tão grande quanto o mundo. A água farta intransbordável é sinônimo de mistério. Do alto, até onde a vista alcança, parece não haver limites. Sua borda toca o céu em um encontro mágico. Seria amor entre dois mundos? Dali apontam Sol e Lua diariamente. Por que não emergem molhados respingando gotículas pelo ar? O pequeno barco em pesca dimensiona a pequenez diante do imensurável. É um gigante!


De perto lambe carinhosamente os pés descalços sobre a areia. Aquele vai e vem das águas tonteia a cabeça. Os pés naufragam na areia "molhadiça" quase até os joelhos. Por pouco, o mesmo mar da imensidão, aqui no miúdo, não me tira do sério deixando-me de bunda no chão.


Mas não! Avanço passos a frente e viro criança de novo. Soco as ondas tal qual um pugilista. Como se por trás daquela espuma branca estivesse o inimigo imaginário. Deixo disso, mergulho. Afundo a cabeça. A onda passa por cima rastelando as costas. Mal a cabeça emerge e lá vem outra. Se não me cuido, embolo nela mesma. E outra mais... É preciso estar atento e esperto, senão cambalhoteio em caldo atrás de caldo.


Escolho brincar um pouco mais: jacarear. Em um átimo de segundo avanço por cima da grande onda e, como uma prancha, voo sobre as águas que me levam a roçar a barriga na areia. Suspendo-me ofegante, quase sem ar, e volto-me para o grandioso. Quero sentir de novo a velocidade tamanha misturado a faixa branca formada na pontinha da onda. Assim, de onda em onda, no momento exato, me transformo em um jacaré de orelhas para cima, braços a frente e peito aberto para o que der e vier. A diversão toma conta do espaço embebido de água e sal que contorna a pele sob o Sol deixando marcas de bronzeamento natural.


Vem, então, o momento de calmaria. Avanço além da arrebentação. Estico o corpo horizontalmente e deixo sua leveza me levar. Os braços abertos rentes a água são sinal de liberdade, de deixar ir e vir sem julgamentos ou pretensões. Agora, deleito-me com o sobe e desce quase sincronizado. Penso: para onde o mar vai me levar? Quero erguer a cabeça para assuntar. Curioso você, hein! Não, deixe-se levar. Fique à deriva! Desapegue de você mesmo, nem que seja por poucos instantes.


Assim, a vida! Há mares e mares para se navegar.


 
  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton

Atualizado: 1 de out.

Gielton



Imagem abstrata



Distraído, estava pensando na morte da bezerra quando tive um estalo. Suspendi minhas antenas e atinei: quantas mortes se vive em uma vida?


Esse fantasma que assombra e mete medo está mais vivo do que nunca. A cada "nunca mais", algo abotoa o paletó e alimenta o avejão. Este, por sua vez, lambendo os beiços, deleita-se com a refeição. Em troca, oferece tristeza ao soluço.


Perdi o peito da minha mãe com pouco mais de dois meses. "Nunca mais" fui amamentado. O desalento mora em mim ainda hoje, tão escondido — ou tão bem guardado — que nem sei onde procurar. Mas a vida insiste em seu ciclo, e agora sinto o inverso quando meus netos se põem a sugar.


Relações também batem as botas, apesar dos antigos amantes continuarem vivinhos da silva com o coração pulsando involuntariamente. Alguns renascem neste desviver como rosas a desabrochar depois do temporal; outros se debatem na areia movediça até a vida virar do avesso.


A cumplicidade também se esvai. Um dia, o velho companheiro de gandaias embaladas a cervejas e cachaças lhe diz: parei de beber.


— "Nunca mais"? — você questiona.


— É… — ele devolve.


Atônito, você fica a entender o que se passa. Então, passa anos esperando ressurgir a antiga camaradagem. Ela mudou de lugar. Quando vê, aquele amigo continua inspirando bons exemplos longe dos copos.


Às vezes o desencarnar da palavra deixa um enorme vazio de silêncio. Em um beco sem saída, eleva-se um muro intransponível entre o casal, tão rígido quanto a imaginação consegue alcançar.


Sem a palavra, a fantasia sobe aos céus como um papagaio de papel. As ideias se contorcem feito minhocas na cabeça a ver fantasmas onde só há silêncio. E dá-lhe elucubrações...

Como em um passe de mágica, o verbo ressuscita, sai da cartola e, sem estardalhaços, coloca ordem nos semblantes!


Há o momento da morte do trabalho. Quer dizer que "nunca mais" estarei em sala? "Nunca mais" farei explicações newtonianas? "Nunca mais" corrigirei provas? "Nunca mais"... Poxa, nem tempo tive de me despedir!


Alguns “nunca mais” doem para sempre, ecos de um espaço e tempo que não retornam. Sobram apenas memórias que ficarão guardadas como fotografias desbotadas.


Há tantos outros "nunca mais" para sempre em nossas vidas que até parece redundância. Mas não: cada qual finca no peito espadas que sangram as próprias dores.


Nada como os ponteiros do relógio para quebrar os "nunca mais" no tempo, até virarem pó e, com um breve adeus, descerem pelo ralo.


E mesmo que o “nunca mais” insista em bater à porta, a vida, teimosa, abre janelas.


Aliviado o sofrimento, damos um passo à frente.


Assim, a vida! Florescendo sempre.



 
  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton

Atualizado: 14 de set. de 2022

Gielton







— Bom dia, Sr Joselino! Sua grama está linda, hein?


Algo me chamou para o jardineiro. Tantas e tantas vezes nos cumprimentamos à distância. Dessa vez, diferentemente, nos atentamos mutuamente.


— O Sr conhece um matinho rasteiro que cria ramos por dentro da terra?


— Tem a folha pontuda? Abre-se como... Vem comigo.


Parou tudo. Conduziu-me delicadamente ao estacionamento apontando: "é esse?"


Em um dos canteiros entre os automóveis avistei a tal erva daninha.


— Essa não tem jeito. É catar até a raiz e cuidar para que as sementes não espalhem. Um trabalho de paciência. Cotidiano. Dia após dia...


Eu ainda não sabia. Intuía, apenas.


O sofá da sala de repouso, no 6º andar, me acolheu. Estava sozinho. Há tempos não exercitava as energias.


Quando ela passou pelo umbigo senti a soberba. Sou foda, pensei. Assim vivem os que tem o "rei na barriga".


Ao atingir o coração, confirmei: aqui vive o amor. Senti com força!


O tempo? Esse não importa. Não foi medido... Desci.


— Oi Matheus, você pediu para vir?


— Isso, aguarde um pouco.


Andou para lá, meio agitado, entrou na sala ao lado, saiu, voltou.


Intuí com mais precisão...


Fui conduzido. Veio o diretor. Entendi. Então, era isso?


Saí do departamento pessoal atordoadamente sereno. O tempo do sofá me fez bem. Não sabia se ia ao café encontrar colegas ou se ficava ali parado. Perplexo, andei pelos corredores sem norte, apesar de uma espécie de mansidão habitar minha alma.


Abri canais de memórias.


Lembrei-me da primeira turma. O vigor da juventude me permitiu atuar, além de professor, como atacante no time de futebol. Diga-se de passagem, um campão de terra. Onze contra onze. A sintonia foi tão fina que passei de ano com eles.


Trinta e três anos depois as chuteiras estão penduradas em um cantinho do meu coração, mas a canetinha de quadro, agora digital, continua afiada. Com ela, cultivo afetos como nunca. Lustro a grama da sala de aula onde o pensamento pode flutuar sem se machucar. Humanizei-me nesse correr do Sol. Em plena pandemia a reciprocidade com a última turma de alunos foi justa. Subi de ano com eles.


Ironias do destino? Um encontro entre a primeira e a última?


Ainda não consegui chorar a dor da partida, apesar da tristeza apertar o peito. Talvez prefira pensamentos. Acalento-me neles. Apesar de ainda turvos e desconexos me guiaram para casa em passos de tartaruga. Não deve haver mais pressa.


Sentirei saudades dos amigos que ali encontrei. Tantos e tantos que caminharam ao meu lado em trilhas paralelas trocando confidências, impressões, experiências... Ah, quanto partilhei momentos e momentos de minha existência!


Sei que é hora de encostar a ferramenta e seguir o passo. Um de cada vez, como diria Sr Joselino.


Deixar a grama do meu caminho verdinha, saudável. Talvez seja a hora de cuidar desse jardim. Deixá-lo florescer na rapidez que o novo tempo exigirá!


Assim, a vida. Início, meio e fim encontram-se quando o ciclo se fecha.


 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

  • Ícone de App de Facebook
  • YouTube clássico
  • SoundCloud clássico
bottom of page