NUNCA MAIS
- Gielton

- 27 de jan. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 1 de out.
Gielton

Distraído, estava pensando na morte da bezerra quando tive um estalo. Suspendi minhas antenas e atinei: quantas mortes se vive em uma vida?
Esse fantasma que assombra e mete medo está mais vivo do que nunca. A cada "nunca mais", algo abotoa o paletó e alimenta o avejão. Este, por sua vez, lambendo os beiços, deleita-se com a refeição. Em troca, oferece tristeza ao soluço.
Perdi o peito da minha mãe com pouco mais de dois meses. "Nunca mais" fui amamentado. O desalento mora em mim ainda hoje, tão escondido — ou tão bem guardado — que nem sei onde procurar. Mas a vida insiste em seu ciclo, e agora sinto o inverso quando meus netos se põem a sugar.
Relações também batem as botas, apesar dos antigos amantes continuarem vivinhos da silva com o coração pulsando involuntariamente. Alguns renascem neste desviver como rosas a desabrochar depois do temporal; outros se debatem na areia movediça até a vida virar do avesso.
A cumplicidade também se esvai. Um dia, o velho companheiro de gandaias embaladas a cervejas e cachaças lhe diz: parei de beber.
— "Nunca mais"? — você questiona.
— É… — ele devolve.
Atônito, você fica a entender o que se passa. Então, passa anos esperando ressurgir a antiga camaradagem. Ela mudou de lugar. Quando vê, aquele amigo continua inspirando bons exemplos longe dos copos.
Às vezes o desencarnar da palavra deixa um enorme vazio de silêncio. Em um beco sem saída, eleva-se um muro intransponível entre o casal, tão rígido quanto a imaginação consegue alcançar.
Sem a palavra, a fantasia sobe aos céus como um papagaio de papel. As ideias se contorcem feito minhocas na cabeça a ver fantasmas onde só há silêncio. E dá-lhe elucubrações...
Como em um passe de mágica, o verbo ressuscita, sai da cartola e, sem estardalhaços, coloca ordem nos semblantes!
Há o momento da morte do trabalho. Quer dizer que "nunca mais" estarei em sala? "Nunca mais" farei explicações newtonianas? "Nunca mais" corrigirei provas? "Nunca mais"... Poxa, nem tempo tive de me despedir!
Alguns “nunca mais” doem para sempre, ecos de um espaço e tempo que não retornam. Sobram apenas memórias que ficarão guardadas como fotografias desbotadas.
Há tantos outros "nunca mais" para sempre em nossas vidas que até parece redundância. Mas não: cada qual finca no peito espadas que sangram as próprias dores.
Nada como os ponteiros do relógio para quebrar os "nunca mais" no tempo, até virarem pó e, com um breve adeus, descerem pelo ralo.
E mesmo que o “nunca mais” insista em bater à porta, a vida, teimosa, abre janelas.
Aliviado o sofrimento, damos um passo à frente.
Assim, a vida! Florescendo sempre.

o texto muito bom, lembrando meu poeta predileto, dantas mota, que dizia: o país das gerais florescerá porque tempo era de florescendo estar.