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Atualizado: 8 de dez. de 2022

Gielton





Confesso que o rastelo me foi apresentado recentemente. Para quem não conhece, é uma ferramenta semelhante à vassoura, só que, ao invés da piaçava ou pelos, possui, na extremidade, pontas separadas de plástico ou metal. Para que serve? Varrer folhas no quintal.


Aí entra uma polêmica. Folhas são orgânicas e se desintegram naturalmente. São parte da natureza. Deixemo-las quietas. Nas matas e florestas tem importante papel sobre o solo. No entanto, sobre a grama de um pequeno sítio, tapam. Escondem o verde que brota nas entranhas da terra. Então, varrer ou não esses esgalhos?


Meu lado urbano priorizou a estética do aparentemente limpo. Mais do que isso, acho gostoso reunir em pequenos montes as folhas secas caídas das árvores. Depois, vestir as luvas e transportá-las ao carrinho de mão. São leves e fáceis de empurrar. Até dá para colocar o neto em cima e brincar de caminhão. Sensação de energia gasta, de trabalho realizado. A grama fica limpinha! O monte de folhas ao fundo acumula-se.


A cidade grande nos envolve em compromissos. Fomos! Até logo, casinha de gramas, árvores e folhas secas. Retornamos em dois giros do relógio. Era noite. As sacolas cheias de mantimentos a guardar era o lado para onde se voltava nossa atenção. A Lua minguante não tinha ainda brotado no céu.


De repente, próximo à varanda, observo sobre a grama um monte de flores amarelas. Apenas flores, sem talo, em forma de cone. Caídas ou deixadas? Alegres. Espanto-me com a quantidade. Surpreendo-me. Duvido de mim. Estavam ali quando saí? Seria um fenômeno sobrenatural? Por alguns minutos fiquei desentendido. Quando... Olho para cima. Encontro um Ipê amarelo. Isso mesmo! Um Ipê amarelo no nosso jardim! Lindo, florido...


Na manhã seguinte, à luz do Sol, fotografei, cheirei, senti, toquei... Aquela árvore pelada, de folhas pequenas que tantas vezes rastelei, mora na porta da casa. Agora, tão de repente, traz esse brilho, colore nossa manhã, arboriza nossa terra. Amarelo, ainda por cima! Cor vibrante, sem ser ofuscante. Desvia nossos olhares e hipnotizam. Não há quem não pare para ver. Não há quem não os perceba, aos montes, espalhados como pontinhos em meio as montanhas. São lindos e abençoam os meses de agosto.


O tapete de flores amarelas continua lá. O rastelo encostado na parede nem ousa tocá-las. Enfeitam com brilho na medida certa nosso cantinho. Preenchem de amarelo nossa esperança! Dão cor e graça ao nosso lar.


Assim, a vida! Amar-elo!

 
  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton

Atualizado: 8 de dez. de 2022

Gielton


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Esses dias construí a primeira janela da minha vida. É rústica, de finas toras de eucalipto. Ainda não tem tramelas, mas abre e fecha como qualquer janela. No entanto, essa, em especial, abriu um grande espaço no meu coração.


O parquinho já veio com tablado pronto para o escorrega. Um buraco redondo, por onde passa o tronco da árvore, completa sua estrutura. A escadinha, degrau a degrau, de madeira roliça, facilita o envolver das mãos e transmite segurança. Lá de cima basta sentar, soltar o corpo e deslizar livre até a grama. Brincadeira de criança. Vencendo o medo da altura.


A ideia estalou no pensamento: e se fizéssemos uma casinha de verdade nesse escorrega, com paredes, janelas e telhado? Projeto ousado para diversão dos netos. Adoraríamos.


Entre a idealização e a trama há uma linha do tempo a ser tecida. Água a correr debaixo da ponte. Vento desfolhando galhos. Sol cruzando céus em dias de inverno. Desejo irrigado pela calma no fazer, pelos passos lentos das escolhas.


Meu arquiteto interior buscou inspirações nos arredores. Já sei! As paredes serão de eucalipto como alguns "muros" que vi por aí. O calculista que se esconde nos dedos da trena mediu. Serão necessárias vinte peças para serem dispostas lado a lado em cada vão. O administrador saiu de mim e foi até a madeireira. Amedrontado pelo escorpião no bolso sacou o cartão e passou no débito.


Pronto, agora é só lixar, serrar, colocar as dobradiças nos buracos. Parece fácil nas palavras. A vida real é cheia de entalhes. A janela concebida estava prestes a nascer. Parto sem contrações. Pura diversão!


Trabalhamos juntos. Eu, pai, ele filho. Construímos uma linda parceria.


— Eu seguro e você lixa!


— Deixa que eu coloco a broca.


O neto circulava. Entre fantasias e correrias sobre a grama, chegava até nós.


— Posso ajudar vô?


— Pega a chave de fenda ali!


Assim, passo a passo, ela foi tomando forma. Braço a braço foi se contornando. A cada parafuso, uma nova conquista. O vai e vem do serrote firme nas mãos soava como um rec rec do sucesso.


Era véspera do dias dos pais e ele disse.


— Eu aqui, com meu pai, fazendo a casinha na árvore para meu filho. Quanta honra!


Imagine o que respondi!


— E eu? Esculpindo com meu filho esse brinquedo para meus netos. Quanto vale?


Tudo na vida.


Quando o pequeno deslizou as mãos entreabrindo as madeirinhas firmadas com tanto esmero e sorriu, meu coração estufou de alegria. Era muito mais que uma janelinha na casinha da árvore. Eram infinitas ventanas que se descortinavam no mundo dos afetos.


Assim, a vida!


 
  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton

Atualizado: 14 de fev. de 2023

Gielton





Você já se colocou no lugar de uma árvore? Imagine o que sente? Se sente! Pois é, arrisquei esses dias um aconchego. Tive uma grata surpresa.


Primeiro, antenei. Notei! Foquei pensamento e observância. Engraçado como a vida norteia nosso olhar quando estamos abertos.


A Mata Atlântica de brejo de altitude, no interior da Paraíba, veio até nós. Meio que por acaso, atraídos pela exuberante simplicidade de casinhas coloridas à beira do asfalto, paramos. Em pouco tempo adentramos o Parque Estadual do Pau-de-Ferro. Pau-de-Ferro? Sabe o que é? Uma árvore de tronco duro como ferro, muito comum na região.


Enquanto o guia discursava, eu anotava. A barriga da Macaúba a faz grávida de si mesma. O Mata Calado ou Boquinha de Moça produz um fruto venenoso. Seu tom arroxeado em forma de boca insinua um beijo. Vai, bobo! Os frutos do imponente Jatobá são expectorantes. A Sambacuim é fina e comprida como ela só. Orelha de pau são cogumelos incrustados em árvores mortas. A resina extraída da Almecega ajuda na cicatrização de ferimentos e libera um delicioso perfume. A Gameleira, grande e vistosa, desprende lindas flores.


Queria mais. Entrar no âmago delas. Sentir sua seiva. Beber da sua fonte. Experimentar de dentro. Calma... É preciso tempo para a energia se manifestar.


Aquele outro bosque, na Ponta do Seixa, dois dias depois, prometia. As árvores imponentes estavam ali, receptivas a um contato de primeiro grau. No entanto, a presença humana e a poluição sonora eram perturbadoras. Porque as pessoas acham que todos querem ouvir suas músicas? Impossível se concentrar em ambiente tão carregado. Fiquei no desejo. Desisti.


A praia deserta, poucos quilômetros dali, talvez fosse uma oportunidade. Mas, onde elas estão? Vislumbro apenas coqueiros ao longe. Deixa pra lá. Vamos caminhar? Andamos, andamos... A areia dura e a maré baixa davam solidez e liquidez aos nossos passos. Uma espécie de serenidade invadia-me. A pressa ficou para trás. Os humanos distantes tornaram-se pequenos pontinhos. As falésias ao fundo compunham o cenário.


De repente, uma pequena clareira sombreada de árvores frondosas abriu-se à beira da praia.


Que coisa! De novo interligam desejo, interesse e oportunidade como um todo condensado para a experiência. Sincronicidade?


O clima de paz facilitou a conexão. Sentei-me ao pé de um tronco e fechei os olhos. Deixei as coisas acontecerem por si, livres, sem força, sem planos. O diálogo principiou.


— O repouso é nossa grande virtude. Meditamos e sentimos as energias todo o tempo. Como as ondas, o mundo vem e volta até nós. Basta paciência. A brisa é, por vezes, tão carinhosa. Lambe nossas folhas que respiram agradecidas. Há movimento nesse balançar suave e doce. A chuva molha a Terra. Limpa poeiras. Escorre caule abaixo como choro de alegria. Não temos sensores de frio ou calor. Nem medo do escuro nem fotofobia.


Continuou, depois de captar minha interrogação.


— Estamos conectadas à Terra. Isso, por si, nos bastaria. Entranhamos nas profundezas. As pontas de nossas raízes, são como tentáculos captando vibrações de um todo. De baixo para cima miramos o céu. Assim, como o todo único, ligamos dois mundos distintos em um só.


Não era preciso expressar meu pensamento. Como se estivesse dentro de mim, dizia ao pé do meu ouvido.


— Somos colaborativas. Vê aquelas raízes parecendo galhos emaranhados uns aos outros? São mangues e necessitam de muita água. Na abundância todas nós sugamos. Na falta, esmaecemos. Pouco para todas é melhor que muito para poucas. Não há ganância, apenas frescor no viver!


— Não tememos a morte! Ela é ciclo de vida. Faz parte da existência. Às vezes, envelhecemos por anos a fio. Outras, minguamos ainda jovens. Não há problema. Em qualquer caso, continuamos na essência das que ficaram. Voltamos à Terra de onde viemos e, de novo, recrudescemos para os céus!


Emocionado pedi um abraço. Envolvi seu tronco de casca grossa tocando cada célula de minha frágil pele. Dei minha face amorosamente. Cuidadosamente ela deixou marcas em baixo relevo nos meus antebraços. Sabia que iriam desvanecer, mas sobreviveriam eternamente em minha memória.


Assim, a vida. Sabedoria para se saborear!



 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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