top of page
  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton

Atualizado: 19 de nov.

Gielton



Casal na praia



Amar não é dádiva, é labor…


Adotamos o frescobol há muitos anos. Éramos jovens ainda. Foi entrando de mansinho em nossas viagens de férias. Um companheiro e tanto! Tão amigo, que o agraciamos em uma de nossas canções: "Jogar só tênis é perder no frescobol".


Passados alguns bons carnavais, a mocidade se renovou. Ela está agora um pouco amadurecida. O que vale é o espírito da coisa! Sentimo-nos jovens no modo de jogar com o humano.


O ritual começa com a disponibilidade.


— Vamos bater uma bolinha?


Entre essa escolha e a bolinha levantar voo, há alguma demora. É necessário prender seu cabelo, espalhar protetor sobre sua pele, limpar seus óculos... Afinal, a visão límpida facilita a brincadeira. Enxergar os detalhes e o todo nos colocam a postos para os desafios.


Normalmente entre o Sol, a areia plana e o mar ao fundo iniciamos nossa peleja. Pernas levemente flexionadas, postura de atleta e fluidez. Afinal, esse jogo é puro deleite. Quem nos dera levar a existência como um jogo suave, com menos amarras aos medos.


Somos competitivos, sim, às vezes, mas no frescobol encontramos uma bonita parceria. Lançar a bola para a companheira na altura certa e na posição confortável é como acertar o passo na vida. É como andar lado a lado no trilho da existência.


A vida precisa de graça, de cor vibrante. Quando mornamos a relação, o banho-maria cozinha lentamente as angústias. É bom colocar emoção. Ficar no pingue-pongue lento e sem graça colore a partida em tom de cinza desbotado. De vez em quando, faz bem colocar força e raquetear com tesão. Tornar a pegada difícil, mas possível. Um desafio aos dois, tanto para quem corta quanto para aquele que apara.


Eventualmente, descalibramos a mão. Vai forte demais em direção ao tórax que, sem tempo para desviar, apenas se protege da bolada bem-intencionada. Bate no peito, sem dores. Só aquele susto bom.Ainda bem! O coração amortecido e firme reencontra seu ritmo.


Se vem muito baixa, o esforço para salvá-la e mantê-la viva, pelo menos, até o próximo toque, é compensado pelo prazer de ver a gorduchinha ainda voando pelos ares. Alternamos, acolhendo os passes truncados de cada um.


Outras vezes voa alto. Inalcançável! Deixamos a bola do sonho, como diz Rubem Alves, ultrapassar seu limite. Não há problema. Em passos lentos, sem tempo para a demora, é possível recuperar a redonda e recomeçar de um novo ponto.


Ambos irradiam esperança a cada bola salva, a cada desavença compreendida. Damos as mãos para seguirmos juntos, apesar dos percalços.


Permitimos errar. Rimos quando a pelota ricocheteia na beirada da raquete e mergulha na água. As ondas a trazem de volta, boiando. Sem pressa, recomeçamos a lida cotidiana da intimidade.


Mas, aos poucos, as pernas fraquejam, os músculos do antebraço perdem força, a bola escapa facilmente para os lados. A flexibilidade para corrigir os lançamentos tortos se esgota. Então, mesmo que segundos antes a emoção tenha movido o desejo do encontro, é hora de parar. Dar tempo para reiniciar a trama do fio da vida com novo fôlego.


Lucidamente, trocamos o jogo pela liquidez da água do mar, que nos tira da terra e coloca nossos sonhos a flutuar.


Assim, a vida! Um jogo com ritmo, pausa e retomada.

 
  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton

Atualizado: 6 de nov.

Gielton



Pessoa em balanço sobre o planeta Terra


Você já sentiu seu eixo se inclinar… já se perguntou o porquê?

Gosto de pensar em eixos. Eixos do pensamento que, como um fio, me conduzem a dimensões distantes, a ideias preenchidas em um todo simultâneo.


A Terra, por exemplo, possui um eixo imaginário, é claro, como aprendi com os professores de Geografia, lá pela quinta série. Mas, para que esse eixo? Relaciona-se à sua rotação, ao seu equilíbrio? Afinal, a Terra precisa se manter estável em torno de si. Firme em seu trajeto rodeando o Sol para que a vida transcorra em sua superfície.


Medito sobre meu eixo, imaginário, é lógico. Visualizo-o vertical, iniciando no centro da cabeça, descendo pelo tórax até tocar o sexo. Acompanha meus movimentos, segue comigo onde quer que eu vá. Interage com outros eixos que se afetam mutuamente. Eu que o estabilizo ou ele que não me deixa tombar? Sei lá, talvez um pouco de cada!


Por estímulos banais ele arreda de lado e inclina-se. Pode ser uma frase mal dita, um pedido não atendido, o leve tocar feridas em cicatrização, um sonho, aquele repentino café quente queimando a língua, um tropicão na pedra da trilha... As emoções pesam exageradamente sobre a balança descalibrada. Sei apenas que só percebo tempos depois.


Com o veio pendente e bambo como uma fina corda pendurada, desestabilizo-me. Faço das pequenas coisas armadilhas da alma que, ingenuamente, se deixa capturar como uma presa. Tolhido, o ser interior se contorce e esperneia como um besouro de costas no chão. Entra em transe, em recorrências, gira atordoadamente sobre si mesmo. A gangorra vai e volta enquanto a consciência se transfigura pelo caminho.


Uma noite bem dormida, uma película amorosa, um devaneio, aquele jazz bem executado, seu time de futebol triunfando, sua mulher lhe acarinhando, podem aprumá-lo. O centro se restabelece. Liberta a alma das amarguras de outrora. O outono de folhas secas transmuta-se em primavera florida.


Aí sim, resgato minha essência. Reconheço-me. Encontro o amor dentro do peito e a paz no canto dos pássaros e na fina chuva do entardecer. Uma leve sensação de plenitude me habita.


Esses dias, uma cachoeira me deixou assim, como a Terra que gira suavemente sobre si mesma sem tontear. Deixei a ducha gelada leve como uma pluma, quase sem gravidade, volteando em harmonia com nosso planeta. Enquanto o Sol incidia luz e calor sobre a rocha, meu corpo nu se aquecia.


Assim, a vida. Na corda bamba de um eixo que bamboleia.


Imagem do post em <https://pin.it/CxbMeQQ>


 

Atualizado: 22 de out.

Gielton




Mãos e unhas sujas de terra



Você já pensou em quão fina é a raiz de um trauma?


Atualmente tenho passado horas a fio sentado sobre a grama. Queria tanto vê-la verdinha e vibrante. Assim como a vida que cresce em todas as direções, a relva feito uma teia, avança para os lados, para cima e para baixo. No entanto, há entremeios em que fica escassa, ressecada e sem pega. É quando a vida esmaece.


Sobre a relva, medito. Exercito a presença. Distancio pensamentos que se curvam além do tempo. Conecto-me à terra. Mãos pintadas de pó de chão até o sabugo das unhas. O eixo que me conecta à terra e à vida mantém ereta a coluna enquanto visualizo, uma a uma, as ervas daninhas.


De onde vêm? Por que se aglomeram e tomam conta? O gramado abandonado virou mato em algumas partes. Triste de ver... Vontade de reverter. As relações humanas se assemelham. Se descuidamos, tornam-se sarça. Perdem-se em si mesmas. Deixam-se dominar pela falsidade, pela aparência... É preciso catar uma a uma, dia após dia, cada tipo indesejado. Ainda assim, não há promessa. Nem permanência.


Com a ferramenta cutuco a terra. Há uma, tipo amendoim, que se embrenha entre as raízes da grama e alastra-se como um exército a conquistar novos territórios. É rasteira. Traiçoeira. Caminha distante sobre o capim. Invade, enlaça e sufoca.


Com a mão esquerda reúno os ramos emaranhados e espalhados sobre a superfície. Eles se aglutinam em um caule da espessura de um dedo. Preciso apalpar antes de cavucar. Guio com o indicador para encontrar o caminho da pega. Cuido para não machucar a grama. Afinal, as relações merecem cautela. Inevitável algum sofrimento.


Cavo fundo a terra em busca da origem: a causa dos desafetos, a semente dos traumas. É dali que vem a estirpe na seiva do bolo do barro.


A ferramenta é limitada. Não tem medida para alcançar o âmago. Então, arrisco esticar para cima, com as duas mãos, o talo da erva invasora . É preciso força e suavidade. Como na vida, nada se arranca aos turbilhões. Firme e convicto, intento extrair. Às vezes, sinto um descolar profundo. Ela ascende: uma raiz tão fina na ponta quanto um fio de cabelo. Tão frágil e devastadora. A sensação é de vitória sobre a maldade da erva funesta, sobre os encalhes da vida.


Outras vezes, escuto um estalo fino, como um "creque". É a raiz que se rompe e emerge pelas metades. Vem em forma de "aqui permanecerei e crescerei de novo". Frustro-me ao perceber que as pontas dos laços interpessoais retornarão em forma de novos desafios. Há muito a aprender sobre a terra, sobre a grama, sobre a vida.


Assim, centímetro a centímetro, trabalho arduamente, sem tempo para o término, pois o sol reaparecerá detrás das montanhas, iluminando um novo dia, transbordando esperanças de que o remexer as relações na terra sob a relva do dia anterior tenha valido a pena.


Assim, a vida! Cavoucar a alma com delicadeza e evoluir.

 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

  • Ícone de App de Facebook
  • YouTube clássico
  • SoundCloud clássico
bottom of page