A NAMORADA
- Gielton
- 9 de jun. de 2021
- 2 min de leitura
Atualizado: 17 de mai. de 2023
Em homenagem ao meu filho Davi Santos Lima
Gielton

Desciam os dois, motorista e passageiro, a Paulo Afonso. No cruzamento avistaram, em rua pouco iluminada sobre sua bicicleta, um jovem. Recostado ao tronco de uma árvore frondosa, o jovem permanecia na mesma posição. No entanto, havia movimentos. Gestos lentos, braços abertos, palavras inaudíveis e um olhar indefinido.
Nesse relance se entreolharam. O motorista disse:
— Olha ali? O que ele está fazendo?
— Sei lá, porra!
— Deve estar doidão. Certamente tem drogas...
— Que nada. É branquinho classe média. Deixa pra lá.
— Não, não... Vamos abordá-lo.
— Que isso, ficou louco? Vai acabar dando problemas. E se for filho de juiz?
Pararam a viatura na dobra da esquina. Alguns minutos depois, pelo retrovisor, o motorista avista o jovem ciclista. Usava dreads naturais e loiros. Era alto e magro. Esbelto. Aparentava uns vinte e poucos anos. A pequena mochila dependurada sobre os ombros poderia... quem sabe... Descia a Paulo Afonso distraído meio que no mundo da Lua, aparentemente desconectado.
A poucos metros abriu repentinamente a porta do automóvel e, quase interrompendo a passagem do jovem, o motorista interpelou-o energicamente.
— Parado. Desça da bike. Mãos para cima.
No susto, o jovem acatou as ordens.
— Na parede. Encoste na parede mantendo as mãos no alto. Abra as pernas.
Por detrás revistou-o, passando brutalmente suas mãos pelo dorso, entre as pernas, até alcançar a panturrilha. Enquanto isso, o outro, com os olhos, filmava seu perfil.
— Tire as drogas de dentro da mochila.
Com calma, o jovem respondeu.
— Não tenho droga, seu guarda.
— Abra a mochila.
Uma garrafinha foi o primeiro objeto a pular da bolsa.
— Que bebida é essa? Cachaça?
— Não, seu guarda. É água.
— Deixa ver.
Abruptamente retirou da mão do jovem. Abriu. Cheirou. Sem odores suspeitos descartou sobre a calçada.
Uma pasta vermelha, dessas de elástico nas pontas, foi retirada e aberta.
— Que códigos são esses?
— Partituras.
— Para que servem?
— A gente lê e toca a música.
— Como se lê isso? Ah, deixa pra lá.
Bolinhas brancas miúdas dentro de um vidrinho escuro foram alcançadas.
— O que é isso? Que droga é essa?
— Não, seu guarda. Isso é remédio homeopático.
O outro diz:
— É para stress. Minha mulher usa.
O jovem completa.
— Exato, serve para stress também. Mas, nesse caso...
Foi interrompido pelo motorista que, agora em tom raivoso, pronunciou.
— E a droga? Onde está?
— Não tenho droga, seu guarda.
— Quer dizer então que não está doidão? Porque conversava com a árvore ali em cima?
— Eu, conversando com a árvore?
— Isso mesmo, vi com meus próprios olhos, quase agarrado ao tronco daquela árvore na esquina.
— Não, seu guarda, eu estava me despedindo da minha namorada na janela do primeiro andar.
Assim, a vida! Salvo pela cor da pele.
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