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Atualizado: 20 de set. de 2023

Gielton



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Cheguei gente! Rasgando corações, abalando emoções, perfurando a vida. Isso, Malu desceu. Escorregou quem nem quiabo. Nem tanto, segundo a mãe, que sofreu as dores, contraiu a força interior, transitou pelo transe. Não via, nem ouvia nada. Nada percebia... Aí, de repente, estava ela, a menina, em seu momento de ouro, como dizem as doulas de atualmente. O cordão levemente frouxo mantinha os laços, enquanto pele com pele, coração com coração, emoção com emoção fazia daquele momento, único e singular entre mãe e filha. O primeiro abraço a gente nunca esquece.


A madrugada tangia. O cansaço encontrava seu justo descanso. Sobre o móvel de cabeceira o WhatsApp vibrou. Ainda, entre o sono e a vigília, nós, avós, fomos agraciados com uma deliciosa chamada de vídeo. Quem diria isso possível há poucos anos? Contemplamos e pulsamos juntos com pai e mãe de sorrisos escancarados e medos adormecidos. De alegria estampada em cada gesto, de expressão de amor em cada olhar. De pertinho, na câmera, deu pra ver a lindeza. Existe recém-nascido lindo? Claro! Todos são aos olhos dos próximos. Semblante de anjo. Boquinha de quem já veio sabendo mamar. E as mãozinhas? Tão pequeninas! E os pezinhos? Compridos. Tudo cheira a novo. Sabor de bebê. Ensejo para todos aprenderem e evoluírem.


Ontem Malu completava seu dia dez de adaptação ao novo mundo. Corri para a porta de entrada. Os pais, famintos e exaustos, logo a entregaram. Dizem que sou fominha. Assumo. Ousei o primeiro banho. Troquei as primeiras fraldas. Quanta honra! Agora, já encorpadinha, faz do tamanho do colo do avô babão um conforto.


Passei pela sala. Desliguei a TV (tão chata ultimamente). Caminhei pelo corredor. Inebrie-me. Caí na tentação de ficar pertinho. Sozinhos. Eu e ela. Dormindo como um anjo sobre meu antebraço direito, de vez em quando, sorria. A boca miúda, o queixo menor ainda fazia beicinhos e caretas. Os olhos fechados tremiam, como se sonhasse sonhos do outro mundo. Permaneci em pé enquanto o som da casa se distanciava. Cerrei meus olhos para sentir a pequerrucha. Nossas vibrações sintonizaram. Uma bola de energia nos cobriu. Vi lindos bosques. Intensas cores, mas serenas. O verde predominava, mas tinha rosa, amarelo e lilás. Um resplandecer de vida em paz naquele pedaço de gente completa. O aconchego do colo era como um macio colchão de plumas. Sua cabecinha encaixava perfeitamente na dobra dos meus braços. Estava agora relaxada. Entregue ao sono. As mãos soltas, os braços libertos. Senti confiança. Senti entrega. Tão bom!


O almoço estava servido. Trocaria meu prato de comida por mais tempo com ela. Não, os adultos esperam por mim. Com todo cuidado do mundo pousei-a sobre a cama. Remexeu um pouquitito. De barriga para cima, apoiou os braços sobre a colcha ao lado da cabeça e continuou sonhando!


Bonito de ver!


 

Atualizado: 7 de abr. de 2021

Gielton



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Estiveram em nosso lar como de costume. Almoçamos e permutamos querenças. Tudo ia bem quando me apercebi da abordagem mais séria que viria.


— Pai e mãe, não espalhem. Estamos grávidos!


— O quê?


Minha filha, minha pituquinha, aquela bebezinha que dei banho, contei histórias e cantei canções? Que quantas e quantas vezes adormeceu nos meus ombros e, da casa da avó para nossa, foi transportada com todo esmero? Seria agora mãe! Nem acredito... Me belisco?


O arredondado abraço coletivo a oito braços entrelaçados expressou a emoção do instante. A barriga ao centro germinava sonhos e realidades. Seria a filha da minha filha...


Desde esse dia me senti estranho. A felicidade media o tamanho do imensurável. Desejava quão rápido conectar com minha neta. Ela parecia distante... Como se faltasse uma ligação, um fio, uma onda, uma sintonia.


Culpava-me por não corresponder a mim mesmo. Queria curtir a pessoinha, a nenenzinha que nem um peixinho, bem pequeninho no meio do mar do amor. Porque não me vem serenidade para interligar? Nem de olhos cerrados sentia a pequerrucha... A pequenez da barriga dava dimensões ilusórias do que viria a existir. Ah, sim, deve ser essa a explicação.


A barriga cresceu, o embrião formou-se. As imagens do ultrassom, como fotos pré natal, mostravam com nitidez a menina já feita. Até gostava de dar seus pontapés e espreguiçadas sobre a palma da minha mão que pulava como uma bola sobre a barriga da mãe. Costumava fazer essas peripécias quando lhe bem entendia. No entanto, o enigmático persistia.


Demorei a entender! Ela ainda teria a sua vez no colo do vô. Mas, era a mãe que irradiava boniteza e merecia o aprecio. Seu semblante de grávida exalava o aroma do amor. A paz invadiu seu coração. Como esses nove meses lhe fizeram bem! Se disse lenta no pensamento. Entendi, precisa nas escolhas. Falou de esquecimentos e desmemorias. Não, brotavam apenas lembranças que valiam a pena. Tornou-se uma grávida resplendente!


Reparei no seu caminhar. Suave, despretensioso, sem pressa no alcançar. Aliás, não há meta além de cuidar daquela vida sobre vida. Passo após passo, como uma astronauta, flutua no espaço em tempo de lentidão, mas de inteireza. Pontuda, a barriga vai à frente. Cruza troncos no meio do caminho e trilha pequenas florestas para alcançar as pedras rodeadas de água corrente. Fluido que desce em golfadas como a vida, em fluxo continuo, porém por trânsitos labirínticos. Não importa a corredeira, há convergência no chegar. A água fria não acordou a bebê bem acomodada no útero materno, mas deu ainda mais energia e lucidez à mamãe. Cachoeiramos todos!


A netinha pode esperar com paciência minha amabilidade. Ela sabe dos colos afetuosos que virão. Agora, no entanto, é momento de salientar a força, a beleza, a magnitude e o mistério da mãe que se apronta para aquilo que os céus arquitetam para ela.


Assim, a vida! Às vezes mudar o foco trás olhares inesperados.


 
  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton

Gielton



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Éramos muito jovens quando nossos filhos desceram dos céus. As fotos desbotadas revelam rostos quase infantis. A "barrigudinha" cheirava a leite. As vezes, me surpreendo. Nem sei como demos conta de tamanho desafio!


Outros tempos. Outra lógica. Outras necessidades. Internet? Nem em ficção. TV a cabo? Celular? Nada disso passava de pura especulação. Existia sim, o fixo. Com ele, tudo era combinado. Acertado em horários cumpridos à moda de "dar certo". E se não desse, não tinha problemas. Tivemos uma extensão externa da casa dos meus sogros. Se contar, os jovens de hoje não acreditariam. O sino do telefone badalava simultaneamente nas duas residências em bairros vizinhos. Aqui e lá alguém atendia. Desligava aquele que percebia não ser para si.


Havia filosofias. Princípios estabelecidos pelo impulso social histórico. Os jovens corriam por liberdade, por contraponto, por um "fazer diferente". Autenticidade era valor. Andar com as próprias pernas era meta. Sofrer do próprio destino, propósito.


A sala com esteira de palha e almofadas no barraco ao fundo do lote era morada dos sonhos. O guarda roupa herdado da fase de solteiro fazia companhia à cama adquirida a mils prestações. O balaio acolchoado era o bercinho do neném. Feito a mãos carinhosas e orgulhosas no pique das construções autônomas. Ela, "petitinha", dormia do ladinho da mamãe sedenta por amamentar leite da vida, protetor dos germes e bactérias espalhadas pelo mundo. Elevar o bebê para o tradicional arroto era tarefa do pai, que mal tinha cinco de dias de licença e caía de pronto no trabalho após noites e noites mal dormidas.


O gosto era triunfar sobre esses desafios. Dar conta da vida na ponta do lápis. Aprender juntos e, em comunhão, trilhar caminhos desconhecidos na certeza de que tudo daria certo, no tamanho que esses certos teriam.


Cuidamos para que nossos pais, desejosos por compartilharem suas experiências, também aprendida a duras penas, pela ânsia de conhecer e lidar com seus primeiros netos, guardassem seus segredos. Não que não quiséssemos amparo. Era só na medida certa! A nossa, é claro.


Agora, são outros tempos. Um novo mundo surgiu nessas décadas. Os filhos dos nossos filhos são concebidos e aguardam sua vez de experimentar o mundo. Uma "pequerrucha" está por vir. E será logo, logo!


— Pai e mãe, quero deixar muito claro.


— Que foi minha querida gravidinha?


— Quando nasci, já entendi, tinham necessidade de rompimento com velhas formas de fazer.


— Sei. Onde quer chegar?


— Nisso! Eu não preciso disso. Vocês são a minha referência de amor, confiança e experiência. Quero que estejam conosco, bem de perto, muito juntinhos, nos ensinando a dar banho, a fazer arrotar, a cuidar, trocar, a ter calma... Precisamos de vocês.


— Claro filha, faremos com todo o prazer, evitando, claro, invasões.


— Nossa relação não permite intrometimentos. Saberemos juntos a hora certa de nos deixar. Fiquem tranquilos!


Pendi a cabeça para rodear a alegria incontida. Camuflei o sorriso. Engoli o choro. Durão, eu? Pura emoção!


Há muito a aprender sobre expressar amor e gratidão...


Assim, a vida. Dá voltas deliciosas em torno de nós.


Imagem do post em <https://pin.it/pKOtvRT>

 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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