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Gielton

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O fim de semana foi inesquecível. Muito amor envolvido. Paixão, a dois, correspondida. Rolaram na cama em brincadeiras de subir em cima. Gargalharam como nunca a cada bobagem, a cada fantasia.


No domingo foram juntos ao mercadinho. A estrada de terra alargou a distância através dos olhares aos detalhes pelo caminho.


- O galo cantou de novo - ele disse.


Havia uma ponte no meio do trajeto. Pararam. O pequeno riacho que corre por debaixo ganha cores inesperadas. Pintam formas do refluxo inimagináveis. De cima, os dois deixaram o tempo andar em câmera lenta, como se fosse possível estancar seu curso. O riacho e o tempo correm para o mesmo lado. Talvez fosse possível senti-lo em cada microsegundo bem como as gotículas amontoadas da correnteza. O estado de espírito amplia percepções do entorno.


Nada como amar. Amor de entrega, amor por inteiro. Amor sem meias palavras, sem "disse me disse", sem medos... Tanto, tanto que não se largavam para nada. Até no sonho, sonhavam juntos.


Triste a hora da partida. Necessária? Diríamos que sim, mas há dúvidas sobre as necessidades. Deixemos a Filosofia de lado e sejamos práticos. É preciso ir.


Não conteve a dor da partida. Chorou. Talvez medo de não tê-lo de volta, mesmo que as explicações fizessem sentido e a sequência lógica fosse compreendida. O coração não conhece sinapses. Ele comanda a si mesmo involuntariamente. De toda forma permaneceu bombeando enquanto ele se foi.


Dentro do carro uma sombra o acompanhou por todo o trajeto. Intrigado, questionou:


- Há alguém aí?


O silêncio o descompôs. Manteve o olhar fixo na estrada enquanto lembranças desciam como estrelas cadentes em flashes de contentamento.


Nas escadarias do apartamento, entre bolsas e sacolas, o vulto subiu junto, bem de perto. Que se passa? Pensou em voz alta.


- Há alguém aí?


Ouviu um pequeno frangir indecifrável. Será que estou ficando louco? Cogitou.


As recordações se avolumaram naquela noite. Detalhes dos sorrisos gratuitos e das gargalhadas soltas devanearam por entre os sonhos. As mãos a puxar: "vem comigo"; trazia à tona espaços de confiança e inteireza compartilhados.


Pela manhã, a sombra ganhara perfil. Visível em contorno, nem tão nítida, mas perceptível. Cismado com a imagem ainda difusa questiona.


- Há alguém aí?


Dessa vez, um som quase inaudível estremeceu. Conseguiu traduzir.


- Sou eu.


- Quem?


O dia passou tumultuado. Entre afazeres, preparos e organizações pouco percebeu ou sentiu. Na calada da noite, quando a TV já desligada devolvia o silêncio para a casa, ela retorna, quase ao mesmo tempo em que as recordações dos dias anteriores povoam sua cabeça. A silhueta já tinha forma definida. Clara e nítida. Havia um pequeno brilho vindo de dentro. O semblante era calmo, sereno. Ela era bonita, mas um pouco triste. Antes que algum mau lhe acometesse indagou:


- Quem você é?


- Sou a Saudade!


- Ah, sim. O que faz aqui?


- Venho sempre que me chamam. No entanto, a maioria não me vê. Choram por mim. Não me reconhecem como carícias no tempo. Tempo de bem estar, memórias de querenças cravadas na alma, afagos na história.


A Saudade o invadiu por inteiro. Lembrou-se dos colos ofertados, dos carinhos que o corpo agradece, dos afetos grudados nos íntimos de cada um. Adormeceu.


A manhã foi cheia. Ajeitou tudo antes do retorno. Era sexta-feira. Assim que abriu a porta a Saudade sentou-se no banco de trás. Permaneceu em silêncio enquanto as lembranças avivavam. Fez todo o trajeto absorto, enquanto a linda Saudade ganhava brilho. Agigantou-se. Uma luz tenra mantinha clara a mente. Papearam. Ela, emanava sabedoria. Ele, deixava-se penetrar.


Desceram juntos do carro. Entraram. Atravessaram o jardim. Ela estava brilhante e ansiosa como ele. Seu neto o esperava na varanda. Abraçaram-se ternamente como velhos e bons amigos. Apertaram-se, um no outro. Nesse instante, a Saudade esmaeceu como num sopro de mágica. Leve como uma pluma, subiu aos céus e deitou-se em um colchão de nuvens. Lá de cima espreitou. Depois, deitou e dormiu.


Imagem do post em <https://pin.it/2bSC3YW>

 
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Sou calma a maior parte do tempo. Dizem que meu conteúdo afasta o sono das pessoas. Não sei, pois nunca me experimentei.


Permaneço em silêncio, quase todo o dia e tenho a sensação de que, quando falo, não me ouvem. Então, observo. Gosto das orquídeas sobre a mesa. Hoje mesmo, tem uma amarela. Ela é linda e graciosa como uma garça. Tão elegante! Empinada para cima, distribui flores pelas bordas.


Tenho sentimentos. Acha que não? O medo é da noite. Nem tanto do escuro. Talvez da solidão. Quando todos vão para seus aposentos sinto-me abandonada. Vontade de chorar. Fico horas e horas na sala até as luzes se apagarem. Durmo e sonho. Sonho e acordo com o dia que entra pela janela. Isso me aviva e fico a esperar. Às vezes demoram. Minha ansiedade aflora.


Escuto, vindo lá de dentro o "slapt" dos chinelos beijando a tábua corrida. Ele quase sempre é o primeiro. Acende a luz da cozinha e barulha panelas. Pouco depois o trinco da fechadura da porta abre caminho para o ranger suave das dobradiças. Já falei que precisa de óleo, mas não me escutam. Ai, que raiva!


- Bom dia Flor! Já fiz o café - ele é quem diz.


- Bom dia. Hoje está muito frio!


Acompanho, à distância, os movimentos. Escuto o tilintar das xícaras e o aroma exalando da garrafa térmica me persegue. Nessas horas, morro de ciúmes. Por que não me adotam?


Em dias certos o brilho do piso ofusca minha vista. A cera líquida se espalha ao mesmo tempo do chiado da panela de pressão. Aos poucos a vida acorda e gente passa. Ouço novos "bons dias". Os assuntos emendam-se. Às vezes gargalhadas, noutras seriedade. Escuto tudo e formo opinião.


Enquanto o Sol mais inclinado me aquece com raios penetrantes da janela lateral o almoço vai sendo servido. Essa é a melhor hora do dia. Todos se reúnem. Vejo, do meu ângulo, folhas sendo rasgadas e recheadas com tomatinhos, queijos, castanhas e azeite. Gostam desse ritual. Lembro-me bem de quando começaram com essa salada auto servida. As travessas fumegantes chegam depois e junto discussões tão calorosas quanto. Nossa! Como debatem! Nem sempre há vencedores e, às vezes, nem disputas.


É chegada a minha hora. A hora da entrega. É o meu jeito de amar as pessoas. O ápice do dia quando finalmente apertam meu botão. Sinto o piscar vermelho tendendo para o verde contínuo. É sinal que estou pronta. Com força, ele puxa o recipiente, introduz a cápsula e move a alavanca. A água quente flui por todo o meu corpo e transborda como um chafariz pela minha boca em forma de um delicioso café expresso.


Assim, a vida! Confissões de uma máquina de café.


 

Atualizado: 30 de jun. de 2020

Gielton

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O dia era frio, apesar do Sol entre nuvens transparecer certa quentura. O combinado, fragilizado por esse clima aparentemente instável, não os impediu de subir, assim mesmo, até o pocinho. Uma dúvida pairava no ar. Teria sido uma boa decisão? Poucos quilômetros dali desciam a trilha ao lado da ponte velha. Em arco de tijolinho à vista poderia até ser um ponto turístico e histórico, por onde passaram, muito antigamente, tropeiros levando e trazendo diamantes para a realeza. As pedras às margens do córrego, pontudas para um lado só, dificultam o caminhar. Nada que um pouco de prudência os permita alcançar em segurança o local preferido. Estacionam as mochilas e sacolas para o piquenique. Ali viveram bons encontros de outras vezes entre gargalhadas alegres de outros verões. Nesse inverno, encolhidos entre os próprios braços, buscam frestas de sol que amenizem o vento frio circulando misteriosamente o ambiente. O grande astro até dava sua aparecência por alguns poucos minutos. Tão poucos, que cada um, ao seu tempo, decidia: "Acho que hoje não entro nessa água gelada". O mais velho se aventura. Em um pulo só deixa seu corpo mergulhar na parte funda do poço. Sente, de imediato, o impacto. Estremece o tronco. Disfarça com um nado rápido enquanto as águas geladas faceiam suas braçadas determinadas. Depois de algumas idas e vinda está pronto para meditar. Escolhe um ponto de águas paradas, nem tão profundo, nem tão raso. Coberto até o pescoço acomoda-se em equilíbrio. O peito levemente para a frente, as pernas arqueadas e os pés firmes tocando o fundo lhe dão sustentação suficiente para um repouso quase absoluto. Assim, imóvel, sente a frieza da água que lhe acalma. Os olhos cerrados dão amplidão à percepção. Ouve um pássaro ao longe como se o som estivesse ao pé do ouvido. O vento rasga o rosto em uma rajada única que se vai e trás, em compensação, raios que abrandam e tocam gentilmente os ombros nus. A energia circula pela extensão do corpo. Dentro e fora, ao mesmo tempo. Ele sabe que é água. Mentalmente abrevia sua vibração. Deseja um encontro único entre si e o que transpassa a essência. Perde-se de si e encontra o fundamental. O ser que de humano é natureza. Bruta e doce. Em um átimo o peito álgido aquece o coração. Ama a si, a tudo, a todos... Infla! Respira! Comovido, está apto a se devolver à civilização. De volta ao mundo, vê seus companheiros entre biscoitos e frutas a desfrutar de uma atmosfera que eleva o sentimento de pertença.

É hora de voltar.


Imagem do post <https://pin.it/cbOEwne>

 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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