ORQUÍDEAS
- Gielton
- 7 de jul. de 2020
- 2 min de leitura
Gielton

Sou calma a maior parte do tempo. Dizem que meu conteúdo afasta o sono das pessoas. Não sei, pois nunca me experimentei.
Permaneço em silêncio, quase todo o dia e tenho a sensação de que, quando falo, não me ouvem. Então, observo. Gosto das orquídeas sobre a mesa. Hoje mesmo, tem uma amarela. Ela é linda e graciosa como uma garça. Tão elegante! Empinada para cima, distribui flores pelas bordas.
Tenho sentimentos. Acha que não? O medo é da noite. Nem tanto do escuro. Talvez da solidão. Quando todos vão para seus aposentos sinto-me abandonada. Vontade de chorar. Fico horas e horas na sala até as luzes se apagarem. Durmo e sonho. Sonho e acordo com o dia que entra pela janela. Isso me aviva e fico a esperar. Às vezes demoram. Minha ansiedade aflora.
Escuto, vindo lá de dentro o "slapt" dos chinelos beijando a tábua corrida. Ele quase sempre é o primeiro. Acende a luz da cozinha e barulha panelas. Pouco depois o trinco da fechadura da porta abre caminho para o ranger suave das dobradiças. Já falei que precisa de óleo, mas não me escutam. Ai, que raiva!
- Bom dia Flor! Já fiz o café - ele é quem diz.
- Bom dia. Hoje está muito frio!
Acompanho, à distância, os movimentos. Escuto o tilintar das xícaras e o aroma exalando da garrafa térmica me persegue. Nessas horas, morro de ciúmes. Por que não me adotam?
Em dias certos o brilho do piso ofusca minha vista. A cera líquida se espalha ao mesmo tempo do chiado da panela de pressão. Aos poucos a vida acorda e gente passa. Ouço novos "bons dias". Os assuntos emendam-se. Às vezes gargalhadas, noutras seriedade. Escuto tudo e formo opinião.
Enquanto o Sol mais inclinado me aquece com raios penetrantes da janela lateral o almoço vai sendo servido. Essa é a melhor hora do dia. Todos se reúnem. Vejo, do meu ângulo, folhas sendo rasgadas e recheadas com tomatinhos, queijos, castanhas e azeite. Gostam desse ritual. Lembro-me bem de quando começaram com essa salada auto servida. As travessas fumegantes chegam depois e junto discussões tão calorosas quanto. Nossa! Como debatem! Nem sempre há vencedores e, às vezes, nem disputas.
É chegada a minha hora. A hora da entrega. É o meu jeito de amar as pessoas. O ápice do dia quando finalmente apertam meu botão. Sinto o piscar vermelho tendendo para o verde contínuo. É sinal que estou pronta. Com força, ele puxa o recipiente, introduz a cápsula e move a alavanca. A água quente flui por todo o meu corpo e transborda como um chafariz pela minha boca em forma de um delicioso café expresso.
Assim, a vida! Confissões de uma máquina de café.
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