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Imagine uma mulher. Circunde-a com obstinação e tenacidade. Anteponha pujança emocional, força de propósito e vigor energético. Pois é. É a Bené. Baiana de Prado, ainda adolescente veio para São Paulo indicada por uma amiga da prima. Ficava por conta da filha única do casal, que mais parecia uma "Barbie". Pele branquinha, olhos azuis e cabelo loiro. Com seus pouco mais de três anos sentia-se a filha do coronel. Mandava e desmandava na criadagem. Era cheia de vontades. Ai de quem não a atendesse. Bené suportou bem. Resignava-se o bastante para manter o emprego. Mas sua determinação a colocava na frente. Anos à frente! Passava pela cozinha e estendia o pescoço. Queria saber. Queria aprender. Juraci a adotou. Ensinou-lhe sobre carnes, molhos, massas, saladas... Era só a "princesinha" dormir e lá estava Bené a xeretar as bancadas de mármore companheiras do fogão. Hoje, nas entrevistas para novos empregos, avisa logo: não gosto de cuidar de criança. Até fico um pouco, mas meu negócio é casa e cozinha. Trabalho não lhe falta. Orgulha-se de sua profissão. Gosta do que faz. Aprendeu a driblar o preconceito. Responde prontamente quando desdenham de seu trabalho em casa de família: o pouco que conquistei na vida com meu suor. Não devo nada a ninguém. É daquelas que inclina a cabeça contra a luz para apreciar a sala brilhante depois da cera. Aguarda ansiosamente os elogios culinários vindos da sala de jantar. Basta um "humm" para se sentir recompensada. Reflete os processos. Faltou sal, da próxima... Melhor começar pela roupa, assim, enquanto... Viveu as conquistas da profissão. Carteira assinada, FGTS, seguro desemprego... Hoje as coisas parecem dar passos para trás. Junto do irmão adquiriu meio lote descaído para o fundo. Duvidaram dela. "Bené, gastadeira como é, não vai conseguir construir". Bancou. Fez tudo sozinha. Administrou pedreiros, carpinteiros, bombeiros... Olha que seu pai e irmão são do ramo. Rejeitou as ajudas. Das melhores casas da região é lá que a família se reúne para os festejos natalinos. Ainda lhe faltava o carro. Comprou um Pálio 2008, novinho, excelente estado. Duvidaram de novo. Mulher não sabe dirigir. "Mulher no volante, perigo constante." Tirou sua carteira de motorista depois da quinta tentativa. Em uma delas xingou o avaliador por avisar em cima da hora a conversão para a esquerda. Nem deu tempo de mover a alavanca da seta. Bancou de novo, se fez forte, superou. Quem vai com a Bené para Prado nesse fim de ano? Aí é uma briga danada entre sobrinhos, cunhados e irmãos. Tornou-se a motorista preferida! Lá, entre uma praia e outra, roda e roda, de casa em casa, de cidade em cidade, visitando e acolhendo a parentada. Assim, a vida. Não duvide das Benés...

 

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Abandonou os cuidados com a jardineira desde quando a vizinha de baixo queixou-se das pétalas das flores entupirem o ralo da sua varanda. Vê se pode!

Da rua, a grande janela do terceiro andar, era sem graça, sem plantas, sem cor, sem cheiro... Apenas um grande vidro, acima do pequeno jardim desativado. De vez em quando, a cortina fechada isolava ainda mais o apartamento do resto do mundo.

De cima, da janela para a rua, a terra seca marrom fosco e sem vida simbolizava a tristeza de um tempo de aparente descuido. Meses de chateação com a moradora do segundo andar.

A planta verde, às vezes florida, debruçando-se sobre a cerâmica dava boniteza à fachada do prédio. Trazia sentido àquele cubículo premeditadamente construído para enfeitar os olhos de quem passa pela rua. Fazer o que? Priorizou a política da boa vizinhança.

Tempo é aliado na transformação de energias que se acumulam. Tempo é amigo dos pensamentos armazenados e dos sentimentos que se diluem.

Os cactos do terraço olharam para ela e, delicadamente, disseram: "você pode deixar sua jardineira linda conosco". Foi a deixa. Que dica!

Arrumou tudo novamente. Dos pequenos vasos, diretamente para a terra da jardineira, foram mandacarus, almofadas de alfinetes, cacto de pera, cacto San Pedro... Não contratou floristas. Usou do seu bom gosto e, com a ajuda do filho do meio, replantou um a um, compondo um conjunto harmonioso de verdes, espinhos e flores. Detalhe, as suculentas não pendem sobre a mureta.

Faltava a "coroa de frade", com o qual se encantara em uma visita a amigos. O espaço reservado entre as pedrinhas brancas a aguardava. Ocuparia seu lugar em sintonia com os vizinhos sem competir por água ou sol. Tem para todos.

Entre uma e outra compra de natal se deparou com a raridade numa flora. Caiu para trás quando a atendente disse-lhe o preço: 900 reais! Talvez tenha que desistir, pensou.

O mundo dá voltas. Tudo pode fluir a favor quando se está conectado. Ela não sabia, mas na Serra da Capivara uma "coroa de frade" a esperava. Quantas e quantas apreciou nas pequenas trilhas em plena caatinga piauiense. Encrustadas entre pedras, soltas na imensidão, grudadas como casais ou solitárias que nem ermitãs. Lá, "coroa de frade" é mato.

De longe avistou, na porta da lojinha de artesanato no Povoado do Mocó, seu sonho de consumo do agora. Os espinhos quase perpendiculares ao corpo arredondado contrastam com uma auréola rosa no alto da cabeça. Ela perguntou ao guia local.

_ Será que ela vende?

A negociação foi ligeira. Em menos de dois dias, embalada em uma caixa que encaixou como uma luva, a "coroa de frade" despachou-se no guichê do chek-in para um longo voo até sua nova casa.

Aquela "coroa de frade" ocupou seu trono na jardineira. Era só o que faltava! Ah, o preço? Vinte reais!

 
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- Seu irmão chega hoje a noite! - Disse mamãe.

Ansiosa, como nunca, me apressou para levá-la de volta para casa naquele domingo à noite. Mesmo sabendo que chegariam tarde, entrou na padaria e saiu de lá com pães e pães.

A sobremesa do banquete de Natal foi preparada na noite seguinte. A turma toda lá em casa derretendo chocolate belga enquanto as línguas afiadas traziam à tona doces lembranças de antigas histórias. Coisas de família. Afetos de pessoas.

A sobrinha, na atual vibe retrô alternativa, contava sobre sua nova moradia na terra da mãe. O terreno para o novo projeto de vida fora da bisavó. Passado e presente reunidos em uma só pessoa.

Era tarde da noite quando o pirex enfeitado de morangos subiu para gelar no frigobar e deixar o sabor curtir de um dia para o outro. As pessoas desceram, depois de curtirem uma deliciosa noite regrada ao sabor das trocas e toques de amor. Era hora de descansar para o próximo dia de festa no reino.

O cardápio da ceia envolvia um pernil, cujo pé foi cortado à base da segueta e a pururuca feita com óleo quente derramado. Novo encontro, cedo pela manhã, para preparar as delícias da noite trouxe ainda mais proximidade, mais intimidade cultivada por longos e longos anos. Nem sempre fluidos como agora.

O pequeno encantador de almas chegou no início da noite com pai e mãe. Dormia como um anjinho. Que pena, estava louco para abraça-lo. Foi melhor assim.

Aos poucos, foram chegando. Cada grupo ou casal, no seu ritmo, trazia as boas energias para a esperada noite de Natal.

Assim foi. Sentamos-nos à grande mesa. Entre queijos, vinhos e gasosas, falamos de tudo um pouco.

- Ainda bem que comungamos de ideais políticos semelhantes. - Comentou outro integrante da família enquanto o assunto do momento era a situação tenebrosa do Brasil.

O neto, agora bem acordado, andava pela casa. Também ia de colo em colo. Já tem um ano e sete meses e conhece todos pelo nome e pelo rosto. Sabe onde é o nariz, a testa, a bochecha... Purrrrr...

Alguém sugere.

- Vamos distribuir os presentes?

Nos reorganizamos diante da pequena árvore piscante de bolas vermelhas e pecinhas de enfeite. Em volta, entre os diferentes tipos de presentes, um se destacava pelo tamanho. O maior de todos era dos dindos para o afilhado, o mais pequenino de nós. Logo que aberto, tomou em suas mãos a ferramenta como se soubesse montar sua bike sem pedais. O sorriso denunciava a satisfação e pleno entendimento da situação.

De embrulho em embrulho, de graça em graça, de alegria em alegria, a cada novo papel esparramado no chão nos enlaçávamos mais e mais.

Menos valia o conteúdo. Mais, a intenção. Essa, sim, coberta de benquerença, fazia do simples, grandes significados, enormes desejos de mais e mais carinhos. Quantos braços se encontraram entre corpos, em abraços mais do que afetuosos naquela noite.

Os pacotes do início, bem arrumados, deram lugar aos papeis de presente espalhados, na mesma proporção da felicidade sem medida do momento.

Hora da ceia?

- Vamos gente, nos sentarmos à mesa novamente!

Que difícil reunir todos. Quando tudo parecia se encaminhar, de dentro da cozinha, ouvia-se choros incontidos de emoção das concunhadas. Uma no braço da outra em um abraço inesperado era o sinal de que algo a mais naquela noite havia acontecido. Uma esperança e um antigo desejo de celebrarmos longe das encrencas que carregam toda e qualquer família.

 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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