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Atualizado: 18 de ago.

Gielton




Ampulheta quebrando


Quem é essa entidade que nos aprisiona? Ou nos liberta?


Anda sempre para frente, como quem mira uma meta tangível e persegue um fim atingível.


Para alguns, arrasta-se como uma tartaruga. Para outros, segue a passos largos de um gigante.


Não perdoa. Pode atropelar com o peso do “nunca mais” ou sussurrar com “ainda dá”. Mas, nunca, nunca pára — mesmo quando alguém em desespero grita: espera! Sua sina é seguir, descabelando os atrasados ou amparando os adiantados.


É abstrato, mas incorpora o real no simples transcorrer. Avança leve e constante como quem mede a estrada pelo próprio passo. Faz o dia virar noite salpicando alaranjado o horizonte. Pinta o ar de cinza enquanto as madrugadas tornam-se manhãs. Põe fim à dor. Simplesmente passa diluindo mágoas, curando feridas ou alinhando eixos.


Durante muito tempo competi com o tempo. Minha lógica cartesiana era ludibriá-lo com minha esperteza, em atalhos e desvios. Acordar pela manhã junto à queda do último grão de areia da ampulheta, era a meta. Atingiria, assim, o ápice do descanso para, em seguida, sair correndo como um atleta dos cem metros rasos.


Sentia-me vencedor.

Dono das próprias verdades.

Dono das próprias vaidades.


Desde que minhas primeiras rugas sintonizaram-se à maturidade, me tornei amigo do tempo. O escuto como quem ouve um vinil na vitrola e aprecia detalhes do encarte. Já não corro, caminho a seu lado sentindo os segundos repousarem sobre a palma da minha mão.


Aprendemos a nos respeitar. Entendemos juntos que basta estar. Basta sentir. Que cada instante é único e sem retorno. No entanto, logo adiante é permitido voltar e trocar as palavras, os gestos, os jeitos.

E neste afã, abrigar a mulher amada com o silêncio da escuta. Deixar a dor do outro penetrar em doses razoáveis. Viver a presença sem sombras nos calcanhares.


O tempo é um jardineiro que cultiva memórias e colhe despedidas. Me ensinou a plantar pausas, regar silêncios e colher amor. Se ontem foi carga pesada em meus ombros, hoje é vento que impulsiona meu veleiro.


Assim, a vida! No passo do tempo, encontro meu próprio ritmo.

 
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Estacionei o carro em uma rua lateral. Atravessei a Contorno e já estava na praça. Nada sabia sobre o evento, apenas que minha mulher cantaria no coral.

Fui chegando de mansinho. Descendo a rua, vi gente, bastante gente. De um lado, técnicos preparavam o som. Mais abaixo algumas barraquinhas... Seria uma festa junina, em pleno agosto? No meio do quarteirão um aglomerado de pessoas bebericando, conversando, trocando energias. Havia um grupo de samba dentro de uma garagem. Música boa, agradável aos ouvidos.

Ainda meio ressabiado avistei meu médico homeopata, também cantor do coral. Um abraço afetuoso para entrar no clima. Fui entendendo aos poucos.

Um encontro, deliberadamente programado, para alimentar nossa esperança. Gerações se encontram. Grisalhos cantam "Criaturas da noite" e ensinam jovens de sorriso largo um modelo de ser. Fizemos, e faremos de novo, se preciso, juntos.

Cada detalhe não pode passar despercebido. A roda de samba, de Noel, Nelson e tantos outros, dá vez ao coral da Marilu. Em plena praça as vozes de senhores e senhoras ecoam canções que trazem ânimo.

Nos entornos, uma guria se aproxima de seu grupo e com um pequeno toque no cabelo, primeiro sorri, diz algo e abraça afetivamente a jovem negra de cabelo black.

Do outro lado, um rapaz, lindo, de barba aparada, parecia vestir um pijama rosa de estampa preta. Camisa e bermuda. Aparentemente másculo e, ao mesmo tempo, tão feminino! Os lábios movem-se em uma fala delicada e o olhar atento ao interlocutor revela interesse.

No palanque improvisado a artista famosa canta Angola levando com ela as vozes do público. Há reverberação para o bem! Há sintonia para a luta. O vereador em discurso antiquado ocupa seu espaço. Deixa seu recado.

Sinto-me agora integrado ao espaço, às pessoas, à causa. Partilho ideias com amigos. O mundo anda louco. Nosso país, nem que o diga, está pra lá de esquisito. Banalizamos o ridículo corriqueiramente. Discutimos o vazio enquanto interesses maiores articulam. Nunca imaginei, nessa idade, já avô, viver algo semelhante, de tamanha decadência! Mais parece um pesadelo. Estamos despencando de um grande desfiladeiro.

Por trás dos galhos secos da árvore, bem no alto do céu limpinho, a Lua, quase cheia, se apresenta. Ilumina menos que as lâmpadas da rua no lento anoitecer. Pena, tem menos força na cidade grande. Mesmo assim, olho para cima, paro e escuto o que tem a me dizer.

- É a vez deles. Essa é a turma que "segue em frente e segura o rojão".

Entendo que da "boniteza" da juventude nasce a esperança, leve como uma pluma, quase imperceptível, mas capaz de mudar o estado da coisa.

 
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Somos, ambos, professores. Sempre viajamos nas férias, mesmo quando as crianças eram bem pequenas. Minha matemática colocou na ponta do lápis e a coluna "deleite", no gráfico, realçava. Era, certamente, a de maior porcentagem. Custo benefício? Positivo.

Hoje, já avós, ainda aproveitamos nosso recesso para conhecer novos lugares, novos países, novas paisagens. Só a diretoria, como brincamos. Seguimos o slogan dela: "Viajar é produto de cesta básica". Há reencontros por essas bandas distantes, quando, tão perto, nos deixamos engolir pelo cotidiano cheio... de afazeres?

Cruzando o Atlântico de volta pensei. Amanhã o rebento, filho do meu filho, irá nos visitar. Será que me reconhecerá? Se lembrará dos passeios de bike? Das brincadeiras de cambalhota? Do, "olha o grandão aí gente"!?

Estava ainda meio tonto de tanto fuso horário na cabeça. Aqui, eram três da tarde. Minha mulher fora buscá-los na rodoviária. Escutei o barulho do portão se abrindo. Calculei o tempo para subirem as escadas e me posicionei. A porta da sala se abriu e alguém disse.

- Olha quem está ali!

O colocaram de pé. Espontaneamente abriu um sorriso, como quem diz.

- É o meu vovô!

Não titubeou. Com um caminhar trôpego se moveu em minha direção. Nesses poucos segundos o mundo ficou em câmera lenta. Com o campo de visão lateral desfocado acompanhei cada passo. Um pé após o outro em um equilíbrio precário e firme ao mesmo tempo. O tênis azul novo compunha com a calça jeans. Os quatro braços se abriram. Eu, de joelhos, senti sua aproximação e o contato se deu coração a coração. O tempo distante se encurtou nesse átimo. Agarrei aquele menino com toda a força do mundo. Coloquei-o no colo e grudamos.

- Quantas saudades!

Ele respondeu.

- Dadá.. dadadaá!

Éramos avô e neto, de novo, em pleno reencanto!

 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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