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Atualizado: 3 de mai. de 2023

Gielton



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Tinha exatamente dezoito anos quando esbarrei com minha primeira pescaria. Fui de motorista da turma: amigos de rua e vizinhos queridos. A carteira de condutor era novinha em folha. No entanto, já pilotava a Vemaguet do meu pai desde muito antes. Levei e trouxe todos em segurança.


Ah, peixe? Nada. Nadica de nada. Nenhunzinho para entrar nessa história. A "belilança" e "comilança" foram minhas companheiras de acampamento. Adorei o passeio com os amigos.


A segunda e, até hoje última pescaria, foi em um afluente do rio Solimões. Lá no Amazonas. Aí você diz: deve ter sido massa! E foi.


Nessas férias, ao invés das corriqueiras praias do norte do Espírito Santo, nos arriscamos em um hotel na selva amazônica. Dormimos em palafitas. Embaixo, jacarés cochilavam conosco. À noite, uma sinfonia em estéreo penetrava os dois ouvidos. Jamais ouvi tanta variedade de sons harmonizados. Uma viagem de tirar o fôlego! Em todos os sentidos!


Em uma quarta à tarde fomos à famosa pescaria de piranhas. Isso mesmo, aquele peixe dentuço. Carnívoro, morde e trás pedaços de suas presas. Tudo com muita segurança. Imagina!


Era uma canoinha a remo. Pequena mesmo! Amontoados nela estávamos os cinco, pais e filhos, além do remador e guia. Cotovelos e joelhos se esbarravam enquanto o equilíbrio precariamente se estabilizava sobre as águas.


Cada um recebeu uma vara de bambu com anzol na ponta. Sobre a canoa, as iscas. Pedaços de frango. Nem sabia que piranha gostava de frango. Enquanto o guia procurava um cardume - deve haver muitos - minha filha sentada no meio da canoa emerge sua vara. Assustou-se quando viu a piranha dependurada na linha do anzol. Amedrontada com aquela bocarra dentuça balançou aquele peixe, para lá e para cá. Cruzando a canoa de um lado para o outro gerou um frenesi que quase nos colocou dentro do rio... Ah, se virasse... Aquela piranhada logo ali debaixo.


Passado o susto, seguimos. De repente ele, o guia, parou e disse olhando para as águas escuras do rio.


— Acho que aqui está bom. Tem muita piranha aí embaixo.


Pensei com meus pedaços de frango: como ele sabe?


— Peguei, peguei!


Gritou o filho do meio. Todos apreciaram a piranha voando. Dessa vez, com calma, o guia pegando em suas bochechas, estufou os dentes "da bicha" para fora e a livrou do anzol. Era a segunda piranha dentro do balde balançando até morrer afogada.


Às vezes, sentia algo na ponta da minha vara submersa. Curioso com a possiblidade e desejoso pelo sucesso, levantava. O anzol subia sem frango.


— A danada comeu minha isca...


Assim, de repente, o mais novo trouxe outra piranha. Veio outra mais na vara da minha mulher. E outra, e outra... Tinha mesmo um cardume bem perto de nós. Foi um festival de piranhas dentro do balde. Falando assim, nem dá para acreditar, mas é verdade!


Eu, atento a tudo e a todos senti a fisgada... Agora vem. Decepcionado, repetia.


— Danada, comeu minha isca. De novo!


O barquinho foi se enchendo de piranhas. Cada um pegou pelo menos umas cinco. Eu? Fiquei na "danada, comeu minha isca outra vez"... Virei piada o resto da viagem. Grande pescador!


Assim, a vida! Tem piranha para todo lado, menos na minha vara...


Imagem do post em <https://pin.it/6mnoBxL>

 
  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton

Atualizado: 17 de dez. de 2020

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Cansei-me da Lelê. Aquela amizade aguda mais me fazia mal do que bem. Era muito legal ser amigo íntimo de uma garota, mas venhamos...


Estava preso entre farpas. Em torno de mim um emaranhado imobilizava meus passos. O coração, entre sonhos e desejos, não conseguia alforriar-se. Algo me agrilhoava. Uma mistura de intuição de ter encontrado a mulher da minha vida, com o medo de escapar entre dedos. Ficaria à deriva na vida. Afinal, dera passos largos na busca do amor. Voltar e refazer o caminho em outros mares parecia muito custoso.


A grande turma planejava, para as próximas férias de janeiro, uma longa viagem partindo das águas do São Francisco. Era "moda" entre parte da juventude, descer de Pirapora a Juazeiro, no famoso vapor Benjamin Guimarães e, de lá, emanar pelas ramificações do nordeste. Eu e ela estávamos nessa.


Nas semanas antes do embarque a angústia me abraçou. Pensamentos brotaram em ramos atormentando minha paz. Não suportarei estar em mais uma viagem com a Lelê sem ficar. E se ela arruma alguém no caminho? Morro ali mesmo de infarto por amor não correspondido. Decidi. Não vou. Elejo arriscar a vida sozinho. Sei lá, para o sul do país. Lado oposto para manter distância. Sabia, desde essa época, que não existe lonjura para o sentimento. Apelei assim mesmo, quase convicto.


Ela surpreendeu-se com meu comunicado. Ainda mais o motivo alegado. Desejava viver uma experiência sozinho. Era hora de me virar. Conhecer outras paragens, e blá, blá, blá... Nada falei sobre nós. Aceitou, mesmo sem querer.


Voltei atrás, mas internamente decidi estar sozinho em busca de novas amizades e, quem sabe, um novo amor. Mesmo ao seu lado, o tom do desprezo deixaria a Lelê para trás, pelo menos nos meus planos. Partimos juntos com mais uma super amiga.


Em Pirapora, na casa de uma amiga da amiga, descansávamos os três na varanda. Deitava sobre a mureta com a cabeça em seu colo. Odiava apertos de unhas entre cravos na face. Sentia exprimido sem razão. Mas, por ela, tolerava tudo. Só para ficar pertinho. E ainda fingia saborear. Mentira pura!


Certa noite, andávamos pelas ruas da cidade quando um cachorro, do lado de lá da grade, latiu destrambelhadamente. O sobressalto a empurrou para mim. Agasalhei com os braços. Tiramos proveito e ficamos agarradinhos até o próximo quarteirão. Só isso. A amiga murmurou:


- Humm. Cês dois, heim.. Tem coisa aí.


Negamos de pés juntos.


Trocaram o charmoso Benjamin Guimarães, pela "barranqueira", um pequeno barco atracado a uma enorme "chata". De tão grande, usava o barranco para manobrar. Embarcamos à tarde. Muitos amigos em volta. O ambiente era de festa, alegria e encontros.


Bateu ciúmes só de ver o tal Newtinho, pouco mais velho que nós, com quem Lelê já havia ficado. Mal o cumprimentei. E se ela se encanta novamente? Meu coração perguntava. Foda-se. A mente respondia.


Cuidei de mim nessa tarde sobre as águas do rio. Conversei, tratei pessoas, cultivei olhares. Caminhei pela imensidão da chata, apreciei o curso das águas, a mata, as nuvens... Deixei Lelê pra lá, ansioso por saber como estava.


No escurecer, os viajantes locais armaram suas redes. Muitas, espalhadas pelo salão do barco. Desprevenidos, estendemos no chão nossos sacos de dormir. Eu no meio, Lelê de um lado e nossa amiga do outro.


Conversamos sobre o dia. Trocamos impressões, esperanças, planos... Algo diferente pairava, como se a atmosfera do susto do cão nos envolvesse e abrisse uma brecha para a intimidade. A voz da amiga distanciou como ondas dispersas sumidas ao longe.


Os anjos favoreceram. Não sei como, nem porquê. Me virei para a Lelê e deixei a amiga de lado tagarelando. O mundo em volta emudeceu. O tempo, em câmera lenta, trazia suavidade nos movimentos. Transpassei meus braços sobre ela. Depois, enquanto meus dedos passavam docemente seus cabelos por trás da orelha, os olhos se olharam bem de perto, pupila a pupila. A palma da mão tocou delicadamente sua bochecha. Enfim, os lábios úmidos se encontraram. Ficamos entre nós no meio da multidão.


Foi a melhor noite da minha vida!


 
  • Foto do escritor: Gielton
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A primavera em Belo Horizonte resplandecia. Tempo de floração. Mesmo nos centros urbanos o cheiro no ar é visível. A vida germina em cantos inusitados em atmosfera de renovação.


Uma esperança primaveril arrebata meu coração. A pouca luz da manhã clareia o bilhete. Sentado na cama, ainda sonolento, miro aquela passagem de ônibus. Sonho. Estaremos, eu e ela, sós. Sem tempo para perder ou ganhar. Sem compromisso para escalar. Por conta do deslumbramento. Quem sabe, distraídos na natureza, ela me entrega seu coração? O meu, em frangalhos, sopitava.


A rodoviária foi o ponto de encontro dessa vez. O mês, era outubro. O ano, nem me lembro. O destino, Trindade, Rio de Janeiro. Escolha dela. Fui de acompanhante, sem pesquisar o destino. Mais importava era estar ao seu lado. Feliz e angustiado.


Cedi-lhe gentilmente a janela. A prosa cunhada entre nossas línguas úmidas manteve-se acessa até altas horas. Ela estava mais linda do que nunca, assim tão de perto. Queria me declarar de novo. Mas, a coragem se escondeu atrás das palavras. Lá pelas tantas, nos enrolamos na única manta que trouxemos. Amanhecemos agarrados nas próprias sonolências.


Baldeamos até o entroncamento. Faltava a ladeira "Deus me livre" onde desceríamos de carona. Foi fácil. Um jovem casal parou a Brasília e nos conduziu. A descida justifica o nome. Tive algum medo nas curvas íngremes. A vila, lá embaixo, nos acolheu. Pequena e singela. Gente humilde e verdadeira.


Na mercearia indicaram Seu João Pescador. Não sei o porquê do apelido pois, naquele tempo, muitos pescavam. Caminhamos até o fim da praia. Cada um com sua mochila. Na minha, vinha amarrado por fora um saco de dormir e, na dela, a manta que nos aquecera na viagem. Formávamos uma bela dupla.


- Bom dia, Seu João! Nos disseram que o senhor tem uma cabana onde a gente pode ficar...


Respondeu, em tom humilde.


- Tenho sim. É logo ali.


De fato, era ao lado de sua casa, uma tenda de madeira na areia da praia. "Garagem" de barcos. Topamos com os olhos. Instalados.


A natureza vibrante nos convidou ao primeiro dos muitos passeios. A Praia do Meio era nossa. Na porta da choupana. Um pulo, dentro d'água.


A caminho da "Pedra que Engole", das cachoeiras mais famosas em Trindade, repousamos sobre uma rocha no meio do riacho. Investi, meio sem jeito:


- Lelê, você sabe que eu gosto muito de você...


Ela quis interromper. Segui firme em meu propósito...


- Então... Gosto muito de você, para além de nossa amizade, que prezo muito. Queria mais... Sinto desejo a mais, e acho que você também.


Seu jeito acolhedor devolveu com suavidade:


- Eu compreendo. Também gosto muito de você, mas receio abalar nossa amizade que é tão bonita, tão sincera. Na verdade, tenho medo de te perder, de nos perdermos. Vamos deixar como está?


Restou-me o respeito! Passamos o feriado de outubro juntos, dormindo entre barcos, sob a mesma manta, deitados no mesmo saco de dormir. Nadamos por ondas do mar e poços de água doce. Desfrutamos da brisa, do roçar areia entre dedos, do Sol sobre rochas. Não rolou um beijo sequer. "Nenhunzinho" para acalentar meu peito.


Voltei cheio de incertezas, recheado de dúvidas e morrendo de vontade de "mandar tudo a merda".


Meu pai, orgulhoso, dizia aos parentes:


- Meu filho não está namorando, ele está é casado!


Eu? Não desmentia. Queria permanecer iludido, enquanto o coração doía com a verdadeira verdade dos fatos.


Assim, a vida! Leves sofreres podem ensinar sobre respeito.


 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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