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Gielton



A vida se encarrega dos próprios encargos. O peso leve, sem cruz a carregar, traz de volta o que nunca se foi.


Estou em fase de reflexão. Fatos me fazem pensar. Emoções me fazem sentir. Transformações têm afetado meu estar. Um estar orgulhoso em um mundo carente de filosofias.


Meu caçula está indo... Pintou seu próprio lar com as cores que apetecem o casal.


A primogênita saiu primeiro para entrar em sua própria vida e fecundou dentro de si.


O segundo encontrou sua companheira, ali pertinho, para erguer sua linda família.


É hora de estarmos sozinhos. Eu e ela. Ela e eu. Parece solitário? Um pouco, mas não tudo.


Em épocas, como as de hoje, em que o debaixo das asas promete segurança, ocupantes inseguros, como em casulos, permanecem imaturos. Encapsulados, sentem medo, vergonha e escassez de coragem. Na dúvida, melhor não arriscar. Os filhos vão ficando, vão ficando... A vida vai indo, vai indo...


Vejo um quarto vazio e sinto meu coração inflar de orgulho. Encarar o mundo de frente, estufar o peito, reunir os centavos para administrar os boletos e escolher essa porção da vida a enfrentar, são elementos que elevam a dignidade.


Estou feliz por eles. Esperançoso. Envaidecido com os pais e mães amorosos que se tornaram. Feliz pelos netos ao redor. Por essas pessoinhas que nos tiram do sério e brincam com o íntimo de nossas crianças.


A sensação de uma das missões cumpridas não diminui os aprendizados futuros. Pelo contrário, ampliam o compromisso de continuar furando a mesmice. Contornar a trilha predefinida, esvaziar o consumismo que nos consome, limpar as crostas que dificultam o fluir são apenas formas de elevar as vibrações do nosso mundo. Ah, como é preciso!


Agradecido, permaneço.


Assim, a vida! Do vazio ao cheio há esperança.


 

Gielton



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A morte é espelho da vida. Refletem uma sobre a outra como se tocassem no horizonte. Não como retas paralelas. Afinal, há entrelaçamentos óbvios. Em fusão, seguem unidas, pois o rasgo entre ir e ficar é tênue. Apenas uma forma de estar.


Em Terra refletimos os sentidos.


A dor penetra e arde. Faz do choro sua expressão. Às vezes contido, outras, intenso. Poças de lágrimas não dizem mais ou menos do que pequenas gotas escorridas. O que se passa aqui dentro só eu sei. Quase não dá para traduzir em palavras...


A ausência mal se consumou. Já é saudades. Não haverá mais aquele telefonema indagando "onde você está", nem o cafezinho da tarde ou a insulina da noite. Isso, sem contar na promoção das inúmeras viagens em família, das festas que produziu, dos encontros que perpetuou. Refilmar tantas cenas em mais de noventa anos de existência, seriam páginas e mais páginas, sem fim.


O sorriso de muitos tempos cristaliza-se em apenas uma lembrança, uma foto, um instante. Escolher a última imagem que fica, de preferência a que fala da emoção, que traz algum sentido de existência é apenas um detalhe que diz muito. Fiquei com o semblante leve do lencinho sobre o rosto como na brincadeira de criança: "cadê? achou!". Só nós dois sabemos.


A velhinha e sua bengala perdida caminham agora em outra dimensão. Fico imaginando os passos lentos ao encontro de tantos. A alegria será marca desses reencontros que, apesar dos anos, é tão vivo quanto a morte.


Assim, a vida. Siga em paz mãezinha...


Imagem do post <https://pin.it/6ml6nDd>

 
  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton

Atualizado: 29 de jun. de 2022

Gielton



Narração da crônica


Eram apenas dois jovens descobrindo o amor. A ânsia de estarem juntos era muito maior que o apetite sexual. Talvez não transparecesse, pois viviam agarrados um no outro. Um grude de fazer inveja. Apeteciam-lhes deitar em concha e dormir sentindo as vibrações um do outro. Nada demais. O mundo em quebras ainda era torto. Haviam regras hipócritas para serem desregradas. A caretice tinha vigor. Que mal há em adormecer a dois? Não, só depois do casamento...


A década era 80 no Brasil. O primeiro beijo foi nas águas do São Francisco, em Pirapora. Naquela noite, os dois, estudantes universitários em férias, partiam para uma grande aventura na terra brasilis. Enquanto a maioria dos ocupantes do barco dormiam em redes, eles deitavam-se sobre sacos de dormir estendidos no assoalho. Ali, tão pertinho, tão colados, juntaram os lábios. Os beijos foram ardentes em uma noite inesperada de luar a clarear as águas do rio como poeira de estrada.


Era o começo de uma ardente paixão. Ficaram juntos os trinta dias do restante das férias. Andavam em bandos com inúmeros e diferentes amigos, mas se cumplicizavam nos momentos a dois. Tornaram-se um casal. Dividiram pratos feitos, redes de dormir e muitas e muitas caronas.


O discurso colava nos postos de gasolina. Diante dos caminhoneiros em fim de almoço diziam:


— Somos estudantes universitários e viajamos pelo país para conhecer a nossa cultura. Você poderia nos dar uma carona?


Viajaram! Conheceram lugares e pessoas. Conheceram a si! Encontraram a paz do amor correspondido. Sem palavras, sem lógica, sem raciocínio. Sabe-se, apenas. Regressaram apaixonados e seguros de um propósito: envelhecer juntos.


Namoravam por horas pendurados aos telefones fixos - essa era a condição da época. Quando possível escapavam. Fugiam. Às vezes pernoitavam em casas de amigos. Cada feriado, um passeio diferente. A juventude resplandecia como uma fonte suprema de energia.


Certo dia foram convidados a uma conversa com os pais da moça. O rapaz, franzino, magro de costelas a vista e cintura tão fina quanto um disco de vinil, chegou desavisado. Não imaginava o que se sucederia.


Depois dos cumprimentos tradicionais, abraços sem graça e apertos de mão, o pai da moça toma a palavra.


— Sei que namoram há algum tempo e temos agrado por você, meu jovem. Nos parece estudioso e bem intencionado.


O jovem sorriu em forma de agradecimento. O pai da moça continuou.


— No entanto, não podemos aceitar esse namoro moderno, esse jeito avançado de relacionar com sexo antes do casamento.


Perplexo, o jovem reage timidamente.


— Como assim, Sr Carlos?


Carlos Moreira Borges, um homem, daqueles enormes, ex-jogador de basquete aproximou-se do namorado da filha, deixando tudo escuro frente a sombra que seu corpo fez sobre a lucidez possível para aquele momento.


— É isso mesmo que ouviu. De hoje em diante não aceitaremos mais essa patifaria. Viagens a dois, acampamentos, noites fora de casa. Com o ato já consumado impomos que se casem imediatamente.


Encurralado contra a parede, diante daquele homenzarrão pressionando todos os seus órgãos o menino franzino responde.


— Caso, sim senhor!


Assim, a vida! A modernidade é conquista de gerações.


Imagem do post em <https://pin.it/2CSzyuj>


 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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