top of page
  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton

Gielton


Criança sorrindo

O tempo transcorre. Segue seu rumo ritmado sem olhar para trás. Não quer nem saber se sou eu ou você. Está acima de nós, apesar de caminhar ao nosso lado. Pulsa no pulso...


Há quem pense que ele pode se curvar nas dimensões do espaço. Distorce, alonga, encurta. Dobra-se sobre si e "prega peça" nos desatentos. Assim, é de cada um na medida do fluir.


O menino escorregou como quiabo. Desceu das entranhas sorrindo! Era como se o mundo fosse um velho conhecido. Um bebê sabido das relações. Muito mais do que simpatia. Algo de dentro, de uma comunicação para além das palavras.


Aquela criança cativava pela silhueta da alma. Dizia tudo sem palavras. Pedia, ordenava, reclamava. A língua embaralhava sons monossílabos. Pá, era papá. Pé, pega. Dá era dá mesmo.


Os contornos do corpo diziam também. O indicador apontava, os dedos em movimento circulares nos fazia aproximar, a mão fechada proferia a raiva.


O olhar comunicava a quem quer que fosse. Desde o mais íntimo ao caixa da padaria. O rastro por onde passava exalava magia.


Ah, o tempo! Os aflitos diziam: leve esse menino ao fonoaudiólogo, já passou da hora de falar. Outros mais comedidos gentilmente questionavam:

será que o tempo dele se comunicar com palavras além de sílabas e gestos já não virou a esquina?


Nós, os pais, transbordávamos em dúvidas. Receio de passar do tempo, de vacilar na decisão, de chegarmos atrasados e o relógio se cansar da espera. Escorria incertezas como leite derramado.


Até que... veio a caxumba! Preocupados, cuidamos. A febre ardente atormentava. Abraçamos o temor. Ai, ai, ai meu Deus! De repente, uma encefalite instaurou-se e os devaneios vieram em frases inteiras com sujeito, verbo e predicado. No meio da doença conjugou perfeitamente até no pretérito do passado. Foi como se a feitiçaria do tempo com um toque de condão fizesse seu trabalho revelando o inesperado. Embasbacados, quase não críamos.


No tempo de cada um a vida se encarrega da forma e do conteúdo. Hoje, o adulto expressa sua sabedoria do humano, aprendida de tantas outras vidas, em ações de afeto explícito por palavras bem ditas de amor.


Assim, a vida! O sino do tempo badala a nota que ressoa em cada um.


 

Gielton



A criança refletida no adulto



Posso abrir meu coração?


Tenho um amigo que usa essa expressão quando deseja se confessar. Depois, solta o verbo a falar de si.


Gosto de aprender com os outros. A tal pergunta afirmativa me cai bem. Tenho muito a revelar. Tantas coisas, que nem sei por onde irromper.


Filhos são espelhos para nos mirar. Tenho na memória que desde muito pequenos refletiam em mim suas angústias, alegrias e dificuldades em lidar com os sentimentos. Pirraçavam para dizer aquilo que ainda não eram capazes. "Euzinho", puro!


Depois de uma manhã intensa, com novidades atrás de novidades, experiências preenchidas e amores vividos, o cansaço bate à porta. Como a gente, as crianças não querem interromper a brincadeira, o gozo, o prazer. É como se perpetuar trouxesse o futuro para o agora, ou atrasasse o passado.


Nós, adultos, disfarçamos. Criamos subterfúgios. Inventamos desculpas esfarrapadas. Elas, crianças em plena intensidade, explicitam. Esfregam os olhos. Coçam os ouvidos... O bocejo inevitável expressa naturalmente o que virá: hora de dormir.


"Não quero"... falam pelo olhar. A resistência é nítida. "Quero continuar a brincadeira, mesmo que meu corpo peça paz". Se passa da hora, relaxar e acalmar a ansiedade para descansar, torna-se tormento. A briga interna é límpida. "Não aguento mais, mas não dou o braço a torcer". Exatamente como nós. Quem debaixo das cobertas já não sentiu o borbulhar mental como um escudo para o sono?


Vi meus filhos bem pequenos nesses dilemas. O ritmo da dormida do final da manhã exigia intervenção para um transcorrer do dia mais fluido.


Primeiro tentava com canções calmas, típicas de ninar. Falava baixo em tom sereno e trazia a energia da paz para o quarto. O colo oferecido, algumas vezes no mais alto grau da entrega, era insuficiente. Via a agitação interna digladiando com a exaustão.


Sabem o que eu fazia algumas vezes nessas horas? Posso abrir meu coração?


Deitava a criança no colo de olhos para cima impondo um pouco de força. Pressionava contra o peito e saía para o quintal. A claridade azul do céu tornava-se insuportável. Os olhos cerravam-se instintivamente. "Uma bonequinha preta" era a canção que invadia os ouvidos, acompanhada de um balançar sutil e suave. Ia nessa toada. Rapidamente o sono vencia.


Adormeciam como anjos!


Assim, a vida! Linhas tênues separam a luz do escuro.

 

Atualizado: 26 de mar.

Gielton



A casca de banana e a balança judiciária


Narração em vídeo


O semáforo ficou vermelho. O giro das rodas foi diminuindo gradativamente. Tudo normal, trânsito leve, sem pressões. O horário, escolhido a dedo, era a razão.


De repente, do carro à frente, objetos voam até a calçada. Será que foram lançados pelo passageiro? Não acredito!


Fixei o olhar para me certificar. A idade embaçou minha vista de perto, mas, àquela distância, identifiquei com nitidez. Eram cascas de banana. Pensei alto: que absurdo! Continuei pensando pela língua: será que não tem miolos na cabeça?


Meu primeiro impulso foi largar o carro no meio da rua, sair, caminhar até a calçada e, calmamente, recolher as cascas. Na volta, olhar fixamente para o arremessador, em tom de julgamento. Ou então, atirá-las com força pelo vidro do passageiro. Seria uma lição!


Só que... Meu termômetro da indignação subiu junto ao do medo. Ponderei: e se ele portar alguma arma? Quem faz esse tipo de coisa não é flor que se cheira. Nos dias de hoje...


E se algum transeunte escorregasse? Seria um bom motivo para dar uma bronca daquelas de deixar o outro sem ação. Queria um pretexto para sair da Inércia. Passou um homem de calça jeans. O fone grudado ao ouvido e o balançar do corpo indicavam uma profunda viagem musical. Nem se tocou. Uma senhora grisalha passou raspando nas cascas e continuou seu caminho. Poucas chances de alguém deslizar.


A saliva secou na garganta.

Seu "bunda mole", faz alguma coisa? Vai deixar barato? Diante de seu nariz, tamanha atrocidade ficará impune? A essa altura, já torcia para a lanterna do sinal trocar para a cor verde. Livre-me dessa agonia, por favor. Vou embora disfarçado de "nem te vi".


A fila andou. O veículo da frente, o mesmo do lançamento das cascas, em vez de arrancar, estacionou. Estranho! Será o que estou pensando? Me movi bem devagar e espiei pelo retrovisor. A porta se abriu. Uma mulher desceu do carro, foi até a calçada e recolheu o tal invólucro da fruta.


Segui pensativo…


Assim, a vida! Tanto a aprender em cada instante.


 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

  • Ícone de App de Facebook
  • YouTube clássico
  • SoundCloud clássico
bottom of page