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ABRINDO...

  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton
  • 16 de dez. de 2021
  • 2 min de leitura

Atualizado: 14 de set. de 2022

Gielton







— Bom dia, Sr Joselino! Sua grama está linda, hein?


Algo me chamou para o jardineiro. Tantas e tantas vezes nos cumprimentamos à distância. Dessa vez, diferentemente, nos atentamos mutuamente.


— O Sr conhece um matinho rasteiro que cria ramos por dentro da terra?


— Tem a folha pontuda? Abre-se como... Vem comigo.


Parou tudo. Conduziu-me delicadamente ao estacionamento apontando: "é esse?"


Em um dos canteiros entre os automóveis avistei a tal erva daninha.


— Essa não tem jeito. É catar até a raiz e cuidar para que as sementes não espalhem. Um trabalho de paciência. Cotidiano. Dia após dia...


Eu ainda não sabia. Intuía, apenas.


O sofá da sala de repouso, no 6º andar, me acolheu. Estava sozinho. Há tempos não exercitava as energias.


Quando ela passou pelo umbigo senti a soberba. Sou foda, pensei. Assim vivem os que tem o "rei na barriga".


Ao atingir o coração, confirmei: aqui vive o amor. Senti com força!


O tempo? Esse não importa. Não foi medido... Desci.


— Oi Matheus, você pediu para vir?


— Isso, aguarde um pouco.


Andou para lá, meio agitado, entrou na sala ao lado, saiu, voltou.


Intuí com mais precisão...


Fui conduzido. Veio o diretor. Entendi. Então, era isso?


Saí do departamento pessoal atordoadamente sereno. O tempo do sofá me fez bem. Não sabia se ia ao café encontrar colegas ou se ficava ali parado. Perplexo, andei pelos corredores sem norte, apesar de uma espécie de mansidão habitar minha alma.


Abri canais de memórias.


Lembrei-me da primeira turma. O vigor da juventude me permitiu atuar, além de professor, como atacante no time de futebol. Diga-se de passagem, um campão de terra. Onze contra onze. A sintonia foi tão fina que passei de ano com eles.


Trinta e três anos depois as chuteiras estão penduradas em um cantinho do meu coração, mas a canetinha de quadro, agora digital, continua afiada. Com ela, cultivo afetos como nunca. Lustro a grama da sala de aula onde o pensamento pode flutuar sem se machucar. Humanizei-me nesse correr do Sol. Em plena pandemia a reciprocidade com a última turma de alunos foi justa. Subi de ano com eles.


Ironias do destino? Um encontro entre a primeira e a última?


Ainda não consegui chorar a dor da partida, apesar da tristeza apertar o peito. Talvez prefira pensamentos. Acalento-me neles. Apesar de ainda turvos e desconexos me guiaram para casa em passos de tartaruga. Não deve haver mais pressa.


Sentirei saudades dos amigos que ali encontrei. Tantos e tantos que caminharam ao meu lado em trilhas paralelas trocando confidências, impressões, experiências... Ah, quanto partilhei momentos e momentos de minha existência!


Sei que é hora de encostar a ferramenta e seguir o passo. Um de cada vez, como diria Sr Joselino.


Deixar a grama do meu caminho verdinha, saudável. Talvez seja a hora de cuidar desse jardim. Deixá-lo florescer na rapidez que o novo tempo exigirá!


Assim, a vida. Início, meio e fim encontram-se quando o ciclo se fecha.


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4 Comments


igorbeloni
Dec 23, 2021

Oh, mestre, satisfação rica o convivo contigo. Como disse a pessoa no comentário abaixo, quando leio o “abrindo”, sinto também que a sua escrita é o meu amanhã. Sucesso sempre, poderoso!

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Gielton
Gielton
Dec 24, 2021
Replying to

Grande Igor, você é daqueles professores "natos", de um talento no lidar com as pessoas "invejável" (no bom sentido). Estar ao seu lado nesses anos foi de muita aprendizagem e referência. Calma... Você tem muito a oferecer ainda! Grande abraço, mestre!

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ctportugues
Dec 19, 2021

Eu chorei, sinto muito, no sentido mais literal dessa expressão. Eu sou você amanhã.

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Gielton
Gielton
Dec 19, 2021
Replying to

Lágrimas bem escorridas aliviam a alma. Obrigado, minha amiga!

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Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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