CARNAVAL
- Gielton
- 21 de out. de 2021
- 2 min de leitura
Atualizado: 22 de set. de 2022
Gielton
A juventude pulsava. O desejo de ser feliz era inegociável. O coração sedento por amor buscava outro que vibrasse em sintonia. Ainda não sabia, mas era cedo. Experiências para colocar ordem na casa estavam por vir.
O carnaval prometia. Era seu segundo fora de casa. A liberdade de estar longe da família e perto dos amigos ocupava o vazio da autonomia. No entanto, nem tudo era como as aparências refletiam.
O pequeno bloco carnavalesco esculpiu em silkscreen a camisa da resistência. O tom vermelho forte estampava em branco no design Coca-Cola a mensagem: Beba Cachaça. O contorno da letra assemelhava-se ao rótulo da multinacional. Ele nem gostava da aguardente propagandeada. No entanto, achava bonito criticar o capitalismo. Mal sabia que nas entrelinhas dava voz à tal bebida de fórmula guardada a sete chaves. Corria nas veias a esperança de uma civilização mais justa, mais fraterna, mais cooperativa. Doce ilusão?
Mas, afinal era carnaval. Tempo de ser feliz. Ou apenas fingir? Tempo de alegria. Disfarce no tom bêbado do sorriso? Desejo de envolver as garotas, seduzir, pegar! A aposta era quanto ao número de beijos e ficadas em uma noite. Ganhava quem colorisse os lábios com mais batons. Tolices!
O desconforto entre um clamor íntimo da alma e as urgências sociais zonzeavam sua essência. Algo lhe dizia: vim em busca de uma única mulher! Do outro lado da rua a turma lhe convidava para mais uma rodada. Diga-se, em pleno café da manhã. Tanto por tão pouco!
À noite perambulava pelos calçamentos de pedras lisas da famosa cidade histórica. Torteava becos, elevava-se em ladeiras, escorregava em declives. Tambores, batuques, blocos levavam multidões consigo. Ele, desnorteado, seguia um rumo de metas foscas. Enquanto isso, mesmo sem saber o porquê, o "Beba Cachaça" abria-lhe portas para moças. Umas mais, outras menos, bonitas. Isso importava.
O nó entre a alma e a existência apertou. Um simples biscoito Cream Cracker era tão indigesto quanto uma feijoada. Nada lhe acomodava no estômago. Era como se a indigestão da vida não lhe desse trégua. O mal estar do corpo refletia a insatisfação da alma. Uma pinga com mel descia goela abaixo maltratando a dignidade.
Já em profundo sofrimento veio o resultado do exame: Hepatite. Tudo explicado. Os cuidados exigiram o retorno para casa bem antes da quarta-feira de cinzas.
Consternado, ignorava a paisagem da janela do ônibus. Em outra parte: alívio. Ainda bem. Salvo pelo fígado!
Hora de regar seu jardim. Reconhecer suas flores. Tratar a terra interior.
Assim, a vida! Muito de tudo parece o que não é!
Imagem do post em <https://pin.it/4gcyOwq>
Comments