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HEPATITE

  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton
  • 4 de nov. de 2021
  • 2 min de leitura

Atualizado: 22 de set. de 2022

Gielton





O sábado de Carnaval foi espinhoso. O físico doía, não tanto. Certo mal-estar deslizava o corpo desfalecido. O vírus da Hepatite intrometeu-se entre ele e a festa e o retorno de Diamantina foi longo, uma demora sem fim. No rastro do pensamento esvaziado vinha a tristeza, espalhando-se como a calda de um cometa.


Acolhimento foi o sentimento ao pousar em casa. Já o esperava uma cama limpinha de lençóis quarados ao Sol. O ferro quente certamente passara por cada quina, por cada fio. Estava liso como uma plaina. Perfumado como campos de lavanda franceses.


Espatifou-se sobre o leito. Adormeceu.


Seguiram-se os cuidados por quarenta e cinco dias. O esmero da mãe não deixou faltar uma gota sequer do chá de picão. Como em um hospital, sal e óleo passaram longe do fazer culinário. A falta de graça do alimento era compensada pelo amor enlaçado. Não adiantaria reivindicar sobre as ordens médicas. Essas foram cumpridas à risca, com o rigor que ele merecia.


Aos vinte e poucos a desolação se dilatava diante da solidão. Dia após dia, tendo apenas a cama como companheira, fez-lhe confidências inimagináveis. Com ela reclamava.


— Tudo bem que a doença é contagiosa. Mas, nenhuma visita? Nenhum amigo para acalentar?


A saída foi desamar. O coração doído conduziu pensamentos em círculos. A lógica do sofrimento é incompreensível. "Então, tá... Não preciso de vocês. Posso dar conta do recado em mim mesmo".


Debruçou-se sobre Nikolai Piskunov. Afinal, era estudante de Física e precisava seguir seus estudos. Destrinchou o cálculo de séries infinitas, polinômios de "n" variáveis... Aprendeu linguagens... Descobriu um mundo de cem dimensões e possibilidades dentro de si.


Só que, a cada fórmula aprendida uma volta a mais era dada à tranca de seu coração. Recostado à cabeceira da cama encontrava soluções matemáticas pouco válidas para o pulsar frio das artérias. Enquanto isso, ressentimentos escondiam-se por dentro do tórax. Endurecidos, ali permaneciam entocados. Sem saber, aplicava à alma a lógica da álgebra impondo a razão e solidificando a ternura.


Alcançou "A" em todas as disciplinas do semestre. As excelentes notas deram-lhe a ilusão do sucesso.


Findou o ano com o coração enferrujado. Oxidado pelo excesso de pulsação fora do ritmo.


Assim, a vida. Em cada lance, uma jogada!



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Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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