UM ABRAÇO
- Gielton
- 4 de ago. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 14 de fev. de 2023
Gielton
Você já se colocou no lugar de uma árvore? Imagine o que sente? Se sente! Pois é, arrisquei esses dias um aconchego. Tive uma grata surpresa.
Primeiro, antenei. Notei! Foquei pensamento e observância. Engraçado como a vida norteia nosso olhar quando estamos abertos.
A Mata Atlântica de brejo de altitude, no interior da Paraíba, veio até nós. Meio que por acaso, atraídos pela exuberante simplicidade de casinhas coloridas à beira do asfalto, paramos. Em pouco tempo adentramos o Parque Estadual do Pau-de-Ferro. Pau-de-Ferro? Sabe o que é? Uma árvore de tronco duro como ferro, muito comum na região.
Enquanto o guia discursava, eu anotava. A barriga da Macaúba a faz grávida de si mesma. O Mata Calado ou Boquinha de Moça produz um fruto venenoso. Seu tom arroxeado em forma de boca insinua um beijo. Vai, bobo! Os frutos do imponente Jatobá são expectorantes. A Sambacuim é fina e comprida como ela só. Orelha de pau são cogumelos incrustados em árvores mortas. A resina extraída da Almecega ajuda na cicatrização de ferimentos e libera um delicioso perfume. A Gameleira, grande e vistosa, desprende lindas flores.
Queria mais. Entrar no âmago delas. Sentir sua seiva. Beber da sua fonte. Experimentar de dentro. Calma... É preciso tempo para a energia se manifestar.
Aquele outro bosque, na Ponta do Seixa, dois dias depois, prometia. As árvores imponentes estavam ali, receptivas a um contato de primeiro grau. No entanto, a presença humana e a poluição sonora eram perturbadoras. Porque as pessoas acham que todos querem ouvir suas músicas? Impossível se concentrar em ambiente tão carregado. Fiquei no desejo. Desisti.
A praia deserta, poucos quilômetros dali, talvez fosse uma oportunidade. Mas, onde elas estão? Vislumbro apenas coqueiros ao longe. Deixa pra lá. Vamos caminhar? Andamos, andamos... A areia dura e a maré baixa davam solidez e liquidez aos nossos passos. Uma espécie de serenidade invadia-me. A pressa ficou para trás. Os humanos distantes tornaram-se pequenos pontinhos. As falésias ao fundo compunham o cenário.
De repente, uma pequena clareira sombreada de árvores frondosas abriu-se à beira da praia.
Que coisa! De novo interligam desejo, interesse e oportunidade como um todo condensado para a experiência. Sincronicidade?
O clima de paz facilitou a conexão. Sentei-me ao pé de um tronco e fechei os olhos. Deixei as coisas acontecerem por si, livres, sem força, sem planos. O diálogo principiou.
— O repouso é nossa grande virtude. Meditamos e sentimos as energias todo o tempo. Como as ondas, o mundo vem e volta até nós. Basta paciência. A brisa é, por vezes, tão carinhosa. Lambe nossas folhas que respiram agradecidas. Há movimento nesse balançar suave e doce. A chuva molha a Terra. Limpa poeiras. Escorre caule abaixo como choro de alegria. Não temos sensores de frio ou calor. Nem medo do escuro nem fotofobia.
Continuou, depois de captar minha interrogação.
— Estamos conectadas à Terra. Isso, por si, nos bastaria. Entranhamos nas profundezas. As pontas de nossas raízes, são como tentáculos captando vibrações de um todo. De baixo para cima miramos o céu. Assim, como o todo único, ligamos dois mundos distintos em um só.
Não era preciso expressar meu pensamento. Como se estivesse dentro de mim, dizia ao pé do meu ouvido.
— Somos colaborativas. Vê aquelas raízes parecendo galhos emaranhados uns aos outros? São mangues e necessitam de muita água. Na abundância todas nós sugamos. Na falta, esmaecemos. Pouco para todas é melhor que muito para poucas. Não há ganância, apenas frescor no viver!
— Não tememos a morte! Ela é ciclo de vida. Faz parte da existência. Às vezes, envelhecemos por anos a fio. Outras, minguamos ainda jovens. Não há problema. Em qualquer caso, continuamos na essência das que ficaram. Voltamos à Terra de onde viemos e, de novo, recrudescemos para os céus!
Emocionado pedi um abraço. Envolvi seu tronco de casca grossa tocando cada célula de minha frágil pele. Dei minha face amorosamente. Cuidadosamente ela deixou marcas em baixo relevo nos meus antebraços. Sabia que iriam desvanecer, mas sobreviveriam eternamente em minha memória.
Assim, a vida. Sabedoria para se saborear!
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