top of page

DECEPÇÃO

  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton
  • 13 de jul. de 2022
  • 2 min de leitura

Gielton



Poderia ser desatenção. Outros diriam excesso de concentração. Não importa, o fato é digno de sua narrativa.


Sua filha estava na flor da adolescência. Hormônios pulsavam como pipoca estourando destrambelhadamente. Era um dia como outro qualquer: após a escola regressavam juntos para casa. Ele ao volante, ela, falante.


Relatava entusiasmada o acontecido.


— A turma inteira é apaixonada por ele, pai. Ele é bonito, mas... Sei não, acho meio sem graça e um pouco esnobe.


— É mesmo?


— Você não acredita pai. As duas eram as melhores amigas. Unha e carne. No recreio dividiam lanches e intimidades. Odeio aquilo! O cantinho da arquibancada testemunhava o tititi.


Parado no semáforo ele balbuciou.


— Sei.


Ela seguiu animada sua historieta. De fato, era exageradamente detalhista, mas isso pouco importa.


— Dizem que ele já tinha bebido bastante whisky. Vê se pode pai, nessa idade... Eu, nem toco, passo longe da bebida. Muitos ficantes estavam na varanda. Sabe como é...


Na curva da avenida em meio ao trânsito caótico da hora do rush ele balança a cabeça afirmativamente e diz.


— Sei...


— Foi sacanagem, afinal era seu aniversário de 15 anos. Eu não gosto de nenhuma das duas, mas dizer "bem feito", isso eu não falo não.


Jovialmente vibrante seguiu.


— Cê acredita pai, que pouco antes da valsa ela procurava desesperada seu namorado. Quando entrou naquele cantinho...


Ele interrompeu abruptamente.


— Já vi tudo, já vi tudo...


Confiante que o pai entretinha-se com sua história a menina-moça aguardou sua reação.


— Esse cara é um lerdo! Não tô dizendo?


Esbravejou para si ao mesmo tempo que, em um movimento brusco no meio do morrão, engatou a primeira em seu Pálio 1.0 e, enraivecido, socou o volante.


— Que merda, que merda!


A filha, ao perceber seu pai em outra dimensão, sentiu-se banhada pela decepção. Banho frio, por sinal, daqueles de gelar qualquer conversa acalorada. Acabrunhou-se juntando as mãos entre as pernas. Em silêncio e pensativa permaneceu até a garagem, duas quadras adiante.


Assim, a vida. Pela estrada afora...


Imagem do post em <https://pin.it/2N8azYF>

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

  • Ícone de App de Facebook
  • YouTube clássico
  • SoundCloud clássico
bottom of page