INSTINTO
- Gielton
- 10 de ago. de 2023
- 2 min de leitura

Tudo começou com um pequeno sangramento. Como farelos de pão, as gotículas de sangue marcavam o trajeto. Intuía que por ali havia passado.
Dias depois o apetite voraz prenunciava algo. Estranho! De onde vinha tanta fome? São os hormônios. Só pode ser, explicava a mim mesmo por uma intuição dita ao pé do ouvido. Ela anda tão serena. Será? Pressenti corretamente?
Claro igual branco neve e límpido no pensamento, a certeza fincou sua bandeira sobre a dúvida. As tetas crescidas e a barriga aumentada eram as provas que faltavam para o observador atento aos detalhes. Está grávida! Mas como? Onde?
O ultrassom fechou o cerco. Com ele, o de dentro se "afora" em preto e branco meio embaçado. Porém, o suficiente para afirmar, são entre oito e dez filhotes. Minha cadela pulou a cerca, ou talvez fez através dela. Dizem que é possível.
Sabia que a gravidez dos cães dura apenas dois meses? Nem deu para preparar muito. Deixei-me guiar pela intuição. Ela, a cadela, disse-me tudo.
Escolheu o canto do conforto onde já passou horas e horas ao meu lado enquanto eu, ligado à tela, produzia. Apontou que a toalha com a qual forrara o chão não estava adequada. Escorregava demais. Inusitadamente puxou com os dentes, de dentro de uma sacola, um pequeno colchonete. Tinha razão, era mais firme e macio.
YouTube me ensinou: evite intervir no parto. Aja somente se necessário. Mesmo assim comprei luvas, deixei a vista a tesoura e uma fita laranja da caixa de costura para o caso de amarrar o cordão umbilical. Serei parteiro oficial pela primeira vez. Às vezes é difícil conter o medo. E se... E se... Eram tantos que a possibilidade do tempo futuro borbulha a mente no agora. Tentava me acalmar. Vai dar tudo certo.
Tadinha, ficou sem lugar no dia "d". Li em seu semblante o desconforto. Acolhi. Acarinhei. Fiquei perto. Deitou-se sobre o colchonete. Intuí sua paciência. Como sabe? Seu instinto dizia sobre espera. Calma a hora vai chegar. Eu é quem não sabia aguardar. Se passar dessa noite, levo a Maia ao veterinário.
Não derramou uma lágrima sequer, mesmo que as contrações fossem fortes, quando o primogênito apontou sua cabecinha na vulva. Escorregou como quiabo e quando assustei já estava escarrapachado sobre o colchãozinho. Era seu primeiro e sabia tudo o que fazer. Como assim? Instinto.
Lambeu, lambeu até que a fina película envolvendo todo o recém nascido se rompesse. Comeu. Puxou o cordão lentamente até vir de seu ventre a placenta. Comeu. Os caninos agiram rápido. Vindo do umbigo do filhote cortou o cordão. Lambeu todo o sangue assepticamente. Cuidou da limpeza antes do próximo. Lambeu e lambeu sua cria.
Em menos de dez minutos tudo se repete. Vontade de dizer: quanta sabedoria, quanta força, quanta entrega... Instinto! Ao fim de algumas horas a exaustão se anuncia. Deitou-se para descansar enquanto cada um dos oito filhotes mamava em uma das mamas.
Quanta honra presenciar essa pujança da natureza!
Assim, a vida! Que se anuncia.
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