MISTÉRIOS DO LIVRO AZUL 4|14 — RITUAL
- Gielton
- 26 de out. de 2023
- 1 min de leitura
Atualizado: 29 de nov. de 2023
Gielton

Há mais ou menos dois anos um "vira lata” que morreu repentinamente, era quem o acompanhava em seus passeios aos sábados. O abdômen avolumado trazia uma doença desconhecida dos veterinários. Aguardavam o resultado de um exame quando, naquela noite, faltou-lhe ar. Sem saber o que fazer, Moacir pegou-o em seus braços. Agonizando, deu seu último suspiro. Moacir chorou lágrimas de tristura por dias a fio. Aquele que abanava o rabo e gritava de alegria com sua chegada, havia partido. Moacir passou dias relembrando seus rituais. Primeiro o banho. Acionava a mangueira no quintal e chamava seu amigo fiel. Vinha cabisbaixo e obediente. Ensaboava cada detalhe. Cuidava de carrapatos e pulgas entre seus pelos curtos. Ficava ainda mais branquinho depois do shampoo. Penteado como uma criança enfeitada pelos pais, iam juntos pelas ruas do bairro. Moacir se orgulhava por não usar coleiras. Educou pacientemente seu cão repetindo comandos de voz. Brincavam juntos, corriam juntos.
Na volta para casa, após duas horas de caminhada com seu amigão, deparava-se com o frigobar abastecido. Destampava a primeira lata antes do banho, tamanha ansiedade que lhe assalteava. O desejo em inebriar-se e o nexo do dever cumprido mereciam a devida recompensa: o prazer em sua máxima plenitude.
Entre um picar de alhos e cebolas com sua mulher no comando da cozinha, tragava outras mais. Faca de um lado, copo do outro. Às vezes, se engalfinhavam em discussões inócuas. Ela pedia cenouras quadradinhas. Ele, de ouvidos desligados, entregava finas e delicadas cenouras circulares. Pronto, era o necessário para quebra paus verbais.
— Que diferença faz?
Moacir argumentava.
— A cozinha está nos detalhes. Você não entende nada!
<Imagem gerada por Inteligência Artificial>
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